sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Covilhã - Notícias Soltas XIV

O século XIX é um período de grandes transformações políticas, económicas e sociais. As ideias liberais fervilham por todo o mundo, opondo-se ao absolutismo vigente.
 Encontrámos no espólio e nas publicações de Luiz Fernando Carvalho Dias alguns documentos que nos elucidam que na Covilhã também se viveram momentos revolucionários e contra-revolucionários. Houve muito descontentamento, reuniões secretas da maçonaria ou doutras associações (“sociedades denominadas patrioticas”), prisões, exílios, mortes, quer de miguelistas, quer de liberais constitucionalistas ou cartistas. 
O documento que hoje publicamos refere-se a uma desordem no Convento de S. Francisco. Pensamos ser uma carta do juiz de fora da Covilhã, datada de 6 de Março de 1830, relatando um incidente de 13 de Dezembro de 1829.   

Covilhã - Igreja de S. Francisco
 Fotografia de Miguel Nuno Peixoto de Carvalho Dias

"Ill.mº e Ex.mº Senhor

Levo ao conhecimento de V. Ex.ª que às 8 horas da noite do dia 13 do corrente participou-me o alcaide deste juízo a instancias do P.e Gregorio Pais prior de S. Salvador, desta vila da Covilhã, que no Convento de S. Francisco da mesma, havia uma grande desordem em que perigava a vida do P.e Guardião, que pretendiam assassinar Fr. Francisco de St.ª Joana, comissário, e Fr. Antonio da Conceição Guedes; que por este motivo e temendo-os já o P.e Fr. Manuel de St.ª Rita Maia se tinha refugiado em casa daquele prior seu parente. Logo me dirigi com três oficiais de Justiça a esta casa a tomar algum conhecimento do caso; compareceu logo nela o Guardião, que com o pretexto de vir confessar uma enferma em perigo foi chamado para sair da vista daqueles dois religiosos. A este tempo e sem demora Ana Maria, solteira, ama que foi do antecedente prior de S. Salvador, que habita em frente da porta de carro do Convento, em cuja casa costuma entrar o p.e Guardião, gritou em altas vozes que lhe acudissem porque os ditos frades e mais um leigo lhe pretendiam arrombar a porta de sua casa, armados e com violencia, procurando o P.e Guardião com muito furor.
            Logo mandei os meus oficiais a terminar esta desordem e prender quem a motivasse; mas os ditos dois religiosos armados de bacamarte e pistolas e com os habitos arregaçados, na dita porta de carro do convento disseram aos meus oficiais / que então não conheceram / que se retirassem, senão que morriam imediatamente, o que assim fizeram juntamente comigo.
            Resolvi fazer prender estes dois religiosos, como me requereu o P.e Guardião, que estava muito assustado e chorando; requisitei, para este fim, tropa ao tenente comandante da 1ª Companhia do Batalhão de Voluntários desta Vila e lhe disse que assim o comunicasse vocalmente ao seu coronel porque então lhe não podia escrever.    
Fiz cercar com soldados e ordenanças a cerca do convento; subiram alguns à mesma cerca até à porta da cosinha do convento, onde encontraram os moços e as chaves dele. Depois que tive imediatamente esta notícia fui chamar o P.e Guardião e lhe disse que pessoalmente designasse os sitios do Convento em que os dois religiosos haviam de ser procurados, que para isso dava à sua disposição o dito Tenente de Voluntários, o quartel-mestre dos mesmos, um escrivão meu, e cinco ou seis soldados armados; que ninguem mais entrava no convento, o que assim se executou. Mas pouco depois viu-se surgir pela cerca Fr. António da Conceição Guedes que brevemente foi preso. A este tempo chegou o coronel de voluntários, o sargento-mór comandante das ordenanças; e o ajudante de milícias e todos resolvemos ontem a fazer prender o outro religioso que foi encontrado de pé atrás de uma esquina da parte de fora da dita cosinha com um punhal na mão direita, hábito arregaçado, e uma pistola no bolso das calças, protestando não se dar à prisão, e morrer com o punhal na mão, matando todo aquele que se lhe aproximasse para o prender. Instou-se lhe que se desse à prisão, e com efeito cedeu, atirando com o punhal ao chão; logo foi preso. Eu e o coronel dos voluntários nos aproximámos a ele, para não ser ofendido, tirou-se lhe a pistola; foi conduzido à cadeia, ficando o Guardião no Convento, com os creados. Tanto a tropa como as ordenanças e oficiais de justiça que efectuaram a deligencia se portaram com muita tranquilidade, ordem e subordinação."

Fonte - Intendência Geral da Polícia
Relação dos maços da Correspondência dos corregedores das Comarcas do Reino e juízes de fora com o Intendente Geral da Polícia da Corte e Reino
Maço 332, pag. 288 - Carta do juiz de Fora da Covilhã sobre a desordem no Convento de S. Francisco de 13/12/1829. Covilhã 6/3/1830.

As Publicações do Blogue:

Estatística baseada na lista dos sentenciados na Inquisição publicada neste blogue:
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2011/11/covilha-lista-dos-sentenciados-na.html 

Notícias Soltas:
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