sábado, 20 de junho de 2015

Covilhã - Frei Heitor Pinto IV

    O nosso blogue vive do espólio de Luiz Fernando Carvalho Dias, que continuamos a explorar. Desde sempre soubemos o interesse do investigador por Frei Heitor Pinto, que originou a publicação da obra “Fr. Heitor Pinto (Novas achegas para a sua biografia)”, o 1º da sua vasta obra. Aquando das comemorações do IV centenário da morte do frade jerónimo, que se realizaram na Covilhã a 2 de Dezembro de 1984, empenhou-se totalmente para que a figura de Frei Heitor fosse mais divulgada.

A propósito de monografias covilhanenses, Luiz Fernando Carvalho Dias lembrou Frei Heitor Pinto:
“Não ainda em monografia, mas como simples descrição, registo a primeira imagem da Covilhã em forma literária. Cabe ao nosso Frei Heitor Pinto, o escritor português mais divulgado e com mais edições no século XVI. Trata-se de uma imagem enternecida, como que uma saudade de peregrino a adivinhar exílios, muito embora a abundância dos adjectivos desmereça da evocação:

 “ … Inexpugnável por fortes e altos muros, situada num lugar alto e desabafado e de singular vista, entre duas frescas e perenais ribeiras, com a infinidade de frias e excelentes fontes e cercada de deleitosos e frutíferos arvoredos.  “ (1)

 Estamos a publicar informações sobre Frei Heitor Pinto. Baseamo-nos em reflexões do investigador, em fotografias e textos da Exposição de 1984 e na obra sobre Frei Heitor Pinto.
    Acompanhemos a obra “Fr. Heitor Pinto (Novas achegas para a sua biografia)” de Luiz Fernando Carvalho Dias:

[...]

Escolar, escritor e viajante


Após a profissão religiosa, Fr. Heitor Pinto que­dou-se em Belém, no aperfeiçoamento monástico. Nestes anos mergulham suas raízes, as saudades do mosteiro e da suave conversação dos religiosos, que adiante o haviam de crucificar ao arrebatá-lo o tur­bilhão da vida activa, em plena metrópole da Cristandade.

Antigo Colégio da Costa, Guimarães


Sabemos que do mosteiro de Belém não seguiu directamente para a Universidade de Coimbra, mas ouviu antes um curso de Fr. Jorge de Belém (1), no Colé­gio da Costa, em Guimarães. Para esse curso indicá­mos a data presumível de 1546-1547, visto não constar das provanças de Siguença nem se mencionar na Dedi­catória ao Cardeal Infante (2). Pouca importância isso lhe devia merecer.
Os seus estudos, além do período secular, consagrado ao direito civil em Coimbra e em Salamanca, vão decorrer todos na Universidade Portuguesa:

«Et interfluxis nonnullis annis missus a primate meo totius ordinis moderatore ad ordinis Collegium tanquam ad bonarurn artium mercaturam, mea studia longo intervallo intermissa revocaui. lbi octo continuos annos auide et ardenter dedi operam lite­ris in quibus totum cursum et philosophiae et theologiae sub excelentibus praeceptoribus virtute et sapientia praestantibus perfeci, et utriusque linguae Graecae, et Hebraicae notitiam campa­raui (3).

Coimbra
Fotografia de Miguel Nuno Peixoto de Carvalho Dias

Para completa notícia destes oito anos, socorremo­-nos além desta confissão dos documentos de Siguença. Eles indicam como, em Coimbra, os três primeiros foram dedicados ao estudo das artes e os restantes cinco à Santa Teologia. Visto estar pronto para o bacharelato em Artes, em 12 de Março de 1550 (4), fixamos para estes estudos os anos de 1547-48 a 1549-50 e para a Teologia os de 1550-51 a 1555-56.
Terminados os estudos, regressou Fr. Heitor Pinto ao mosteiro de Belém para, longe de todas as preo­cupações humanas, se consagrar às letras divinas. Dos Profetas escolheu Isaías, pela grandeza e utilidade da sua obra e por serem poucos os comentadores.

«. . . A collegio reversus ad monasterium, unde profectus fueram quantum potui, me abduxit ab omni negotio humano, totumque me dedidi studio diuinarum literarum.
Et consideranti mihi, atque saepe numero memo­ria repetenti prophetae Esaiae utilitatem, magnifi­centiam, et amplitudinê, esseque eius expositores paucissimos, eosque brevissimos, eumque multis in locis indigere explanatione, oriebatur desiderium quoddam eius explanandi...» (5).



Esaíam Prophetam Commentaria




A vastidão do empreendimento e a profundeza do profeta conquanto o houvessem abalado de receios na alma, não lhe desarmaram a vontade, de modo que em meados do ano de 59 podia alegrar-se com a redacção definitiva da sua primeira obra de exegese.
Mas não a publicou logo; meteu-a na sacola de peregrino e levou-a consigo para Roma, sujeitando-a à censura de Teólogos Jesuítas (6) e Dominicanos (7).


*
*          *

Roma
Fotografia de Miguel Nuno Peixoto de Carvalho Dias
                                                                  


A ordem de S. Jerónimo trazia, em Roma, duas questões importantes: uma com o cabido de Lisboa e outra com o seu antigo e ilustre conventual Fr. Diogo de Murça. Na primeira discutiam-se os dízimos dos cerrados de Belém. Os hieronimitas perderam a causa em Lisboa e apelaram para a Santa Sé. Desconhecemos porém o ano em que o processo subiu aos tri­bunais Romanos. Aí o encontramos, contudo, cm 1551. Refere-se-lhe o Embaixador de Portugal D. Afonso de Alencastre, em carta para D. João III, de 1 de Dezembro desse ano (8).
Pleiteava pelos frades o Dr. António Lopes que alcançou a revogação da sentença de Lisboa em 1558 (9). O cabido não se conformou e a questão estendeu-se por alguns anos (10).
Os monges conseguiram novo provimento na Rota, em 1561 (11), mas, no ano seguinte, a causa ainda não tinha terminado (12).
Na demanda de Fr. Diogo de Murça, questionavam-se as rendas do mosteiro de Refóios, cuja adminis­tração pretendia transferir, por morte, a seu sobrinho D. João Pinto, preterindo a ordem. Este pleito entra­ria, em Roma, cerca de I557, porque a ele se reporta a Rainha Regente, em 19 de Agosto, na correspondência para o embaixador:

« ... Eu sam informado que frei Diogo de Murça, queria pôr o mosteiro de Refoios de Basto que ora tem em hum seu sobrinho, e posto que o eu não crea, todavia porque folgaria saber no certo se he assi, ou não, vos encomendo muito que procureis por saber se o dito frei Diogo de Murça fas nisto algua instancia, achando que o requere e o pede a Sua Santidade trabalhareis por lhe estorvar que se não ponha o dito Mosteiro em nenhua pessoa e avizarme eis do que achardes e souberdes e tereis muita vigilancia e cudado (sic) pera que se lhe não passe. El-Rei meu Senhor e Avo que santa gloria aja vos tinha escrito sobre a demanda do mosteiro de Bellem, e porque eu receberei contentamento em fazerdes ter della muito bom cudado, (sic) vos encomendo muito que o façais asi, e que me escre­vais os termos em que estiver» (13).

Daqui se conclui: a coroa tutelava os interesses dos hieronimitas contra Fr. Diogo de Murça, conside­rando desrazoáveis as pretensões do frade.
Em 14 de Setembro, este religioso tentava justifi­car-se, perante o monarca:

Sñor
per gõçalo pito meu sobrinho Re/ceby hua carta de V. A. e agora Receby outra p hu moço de sua estri/beira ãbas sobre as differêças q os pá/dres de nossa ordê querê ter comjgo / e por q estas deffe rêcas nascê de / cousas q està mto doutra manra de q./la se offrecê a  v. a. quero ãtes tomar / o trabalho dir dar Rezão de todo o q / passa q Respõder cou­sas q Requeirã / outra e outra Resposta, eu me fiqº/fazêdo prestes p.ª hir e como o for / logo hirey e prazera a nosso Sõr/q tudo se assentara a serviço de ds. / e de v. a., a graca do spiritu sãto sseja / sêpre cõ v. a. de coymbra a xiiij de setêbro de 1557/
frey dyº/
de Murça»
No verso: «Pera el Rey/nosso Sõr/» (14).

Carecemos de elementos precisos para seguir em Roma os trâmites da causa: somente a Bula que nomeia D. João Pinto, imediato sucessor de seu tio, na adminis­tração de Refóios e o Monitório Apostólico de 12 de Maio de 1559 (15) segundo o qual Fr. Diogo alcançou da Santa Sé o privilégio de não ser molestado nem injuriado pelos confrades nos elucidam desta primeira fase da con­tenda. Daqui resultou a ordem abandonar o campo teó­rico das queixas e tomar a iniciativa de enviar a Roma dois emissários.
Recaiu a escolha em Fr. João, prior do Mosteiro da Costa e em Fr. Heitor Pinto (16).
Saíram de Portugal apressadamente (17), pela fronteira de Zamora, até Barcelona (18).
Daí navegaram, tocando em Marselha (19), para Génova, onde Fr. Heitor Pinto recebeu as notícias que, por razões importantes, o obrigaram a jornadear, por terra (20) até Roma, onde se encontrava já, com o seu compa­nheiro, em 18 de Agosto de 1559 (21).
Rodeou-se a viagem de certo mistério, alardean­do-se sòmente a conveniência de assistir directamente à questão do cabido, que dormia num poço sem fundo ... mas ligado andava o fim oculto e principal, o caso de Fr. Diogo de Murça, cujo sobrinho, Doutor António Pinto, secretariava o embaixador Lourenço Pires de Távora e emprestava a influência do seu cargo à causa do tio (22).
Contavam os dois hieronimitas ultrapassar esta montanha, erguida contra aquilo que julgavam ser a sua justiça.
Não sabemos até que ponto o conseguiram. As car­tas do novo embaixador refletem nitidamente má von­tade para com eles e inclinação ao partido de Fr. Diogo, muito embora aquele confesse uma neutralidade apa­rente diante da Rainha (23).
D. Catarina evita sempre abordar o assunto.
Lourenço Pires força novas instruções, apelando para os serviços de Fr. Diogo e para a sua alta catego­ria: mas nada consegue porque continuam de pé, perante o silêncio da regente, as instruções que figuravam nas lembranças do seu antecessor (24).
O retraímento de Fr. Heitor e do seu companheiro, no colóquio do embaixador, justifica-se, pois; eles não exorbitavam quando pretendiam puxar, também, para esta demanda, o favor do representante Régio (25).
Da sua actuação em Roma resulta terem alcançado de Pio IV, nesta causa, pelo menos três bulas: uma, a 10 de Maio de 1560, nomeando magistrados eclesiásticos que julgassem Fr. Diogo pelo não cumprimento da Bula de Paulo III, acerca da igual repartição da rendas; outra, do último dia de Junho de 1560, cometendo ao arce­bispo de Lisboa ou ao Prior de Penha Longa, ou ao cónego mais antigo da Sé Olissiponense, a queixa dos Jerónimos contra Fr. Diogo, reservando os agravos e reagravos de censuras e interditos, mas concedendo o recurso à ajuda do braço secular, se necessário fosse; e ainda outra, de 23 de Agosto desse ano, encarregando os bispos de Lisboa e de Coimbra da nova repartição das rendas pelos dois mosteiros de S. Jerónimo e de S. Bento, melhor do que o fizera o P.e Fr. Diogo de Murça.
Não obstante estas três bulas que mudaram os ventos a favor dos hieronimitas, a questão voltou para Roma, e aí se eternizaria se o Rei e o Cardeal Infante não interviessem, aconselhando paz, mesmo com sacrifício de direitos (26).
Perante uma batalha tão renhida, Fr. Diogo aban­donou a ordem e recolheu-se à de S. Bento (27), em cujo colégio de Coimbra faleceu pouco depois, mas D. João Pinto acabou por acordar, com a ordem, uma reparti­ção equitativa das rendas de Refóios (28).
Fr. Heitor e Fr. João abandonaram Roma nas vés­peras de 13 de Outuhro de 1560, data em que o Embai­xador o comunica para o Reino (29).

Notas:
1. Mário Brandão – Coimbra e D. António Rei de Portugal, Coimbra, 1939, fls. 20.
2. Fr. Heitor Pinto - In Esaiam Prophetam Comentaria, etc. Lugduni, 1561, na cf. dedicatória.
3. ld.  – id.
4. Mário Brandão - O Colegio das Artes, I, 1547-1555. Coimbra 1924, fls. 478, com a transcrição do doc. do Arq. da Univ. Liv.º 3º de Autos e Provas de Cursos – 1537-1550, caderno de 1549-50, fls. 112, vº.
5. Fr. Heitor Pinto - In Esaiam Prophetam Comentaria, etc. Lugduni, 1561, na cf. dedicatória.
6. Id. - Id.
«Reuerendi patris generalis Societatis Iesu. viri sapientissimi et optimi.
Ego dedi hoc opus legendum patribus nostrae societatis viris doctis et religiosis, qui illud accuratissime et attentissime aiunt legisse et examinasse, et asserunt nihil in eo contineri contra sanctam ecclesiam, neque contra bonos more, quin possius esse librum hunc catho­licurn, pium, doctum, et utilem. Datum Romae, in nostro collegio die secundo Septcmbris anno a Christi natiuitate 1560.
 Lainez»
7. Id. - Id .
«Reverendi patris procuratoris generalis ordinis praedicato­rum viri magni omnique virtute et sapientia. praestantis.
Ego frater Eustachius Luchatellus Bononiensis in sacra theolo­gia magister, totius ordinis praedicatorum procurator perlegi quanta diligentia potuit et debui haec commentaria fratis Hectoris Pinti Lusi­tani in Esaiam prophetam, et nihil in illis inueni, quod sanctae Roma­nae uniuersalique ecclesiae repugnaret, neque quod posset pias aures offendere. Imo testificor esse hoc opus Christiana pietate, et solida magnaque doctrina refertum. In cuius testimonium hoc chirografum mea manu scripsi et consignaui. Romae in nostro Monasterio Sanctae Mariae supra Mineruam in loco habitationis solito: anno a virginis partu 1560.
Calendis Iunij.
F. Eustachius Luchatellus».
8. Corpo Diplomático Português - Tom. 7, fls. 82:
«Outra carta me derão de Vossa Alteza a XXIII do passado feita a XVII dagosto sobre ha causa de Belem, para que ha emcommendasse ao doutor Antonyo Lopez eu ho fiz. Ele tem disso tão bom cuidado que espero em Deus que se reduzira ho negoceo a bons termos. E eu lhe peço dele comta e ho consulta comigo. E asentamos que pri­meiro que tudo, se lhe trate de nulidades, e depois se trate de bono jure, porque he milhor vya que tratar logo do dereyto. E nisto se pora toda boa delygencia porque ho tem a meu parecer bem emtem­dido, e me parece que ho fara aynda com mays delygencia, porque a que Vossa Alteza lhe fazia grande merce em se servir dele: do que soceder sera avisado.
9. Corpo Diplomático Português - Tom. 8, fls. 83, em carta do Comendador mór para El-Rei, de 11 de Dezembro de I558, com refe­rências ao Dr. Antonio Lopes:
«...Tambem lhe deve Vossa Alteza agardecer (sic) a sentença de Belem que lhe screvi os dias passados que ouveramos em favor deste mosteiro contra o capitulo de Lixboa e aqui a envio a Vossa Alteza com sperar que me mande dizer se ha por seu serviço que prosigamos as mais ou se nos deixaremos star porque tenho para mim que o cabido de Lixboa nom pode mais alegar que o que tem alegado e asi sperarei a ordem que Vossa Alteza me nisto manda para saber o que ei de fazer ...»
fls. 87 - (Carta do Dr. Antonio Lopes, para El Rey , de 12 de Dezembro de 1558):
« ... Outro si quanto ha demanda de Belem contra ho cabido ja escrevi a Vossa Alteza como a rota deu sentença em favor do mos­teiro revogando as que eram dadas pelo cabido, e posto que o tralado da sentença se mandou a Vossa Alteza agora de novo dei ao embai­xador ho estromento della pera que hos frades esten seguros de não poder ser molestados ate se a causa acabar de todo: ho procurador do cabido apelou e ha causa esta cometida por elle a sua instancia ao doutor Gaspar de Quiroga, espanhol...»
fls 136 - «Capitulo da carta d'el Rei para o comendador mor.
Para a carta do comendador moor (s. a. n. d.) ... Por o padres do moesteiro de Belem e por vosa carta soube o que pasava acer­qua da demanda que pemde antre eles e o cabido desta cidade e folguey de ver o cuidado que temdes dela. E porque ele vos escreverm largamente sobre ysso nam tenho outra cousa que vos dizer senam emcomendarvos muyto como emcomendo que dela tenhays e man­deys ter grande e especial cuidado pelo muyto que importa ao dycto moesteiro...»
10. Corpo Diplomático Português - Tom. 8, fls. 406, publicado adiante.
11. Corpo Diplomático Português - Tom. 9, fls. 312, Carta de Lourenço Pires de Távora para El-Rei, em 19 de Julho de 1561:
«Senhor - com esta sera o instrumento da sentença dada agora pella Rotta em favor do mosteiro de Belem contra o cabido de Lisboa sobre a dizima que litiguavão ao doutor Antonio Lopez dei cuidado de escrever tudo o que nisso passa e portanto no que toca a esta partida me remetto a sua carta...»
12. Corpo Diplomático Português. Tom. 9. fls. 472 - «Relação dos negócio por expedir que Lourenço Pires de Tavora deixou ao Dr. António Pinto, tis. 472 e segs.
1562 - Abril 21 ... 
fls. 478-79." ... Lites ... 
... Item. Outra demanda do cabido de Lisboa com o mosteiro de Belem sobre os dizimos dos cerrados do ditto mosteiro, na qual ouvemo sentença contra o cabido, tendo elle trez ou quatro em seu favor, et in re judicata agora faltão outras duas pera este negocio se acabar de todo, o doctor Antonio Lopez he procurador dos padres, e a demanda se faz à custa delles, e este negocio se encomendou ao ditto doctor por mandado d'El rrey como se vê pella carta de XVII d'agosto MDLI - que aqui entreguo.
À margem: He avida a segunda sentença nesta demanda que mandei a sua alteza.» Estes negocios lhe deixou o comendor mór D. Afonso».
13. Corpo Diplomático Português - Tom. 8 fls. 22.
Arquivo Nacional da Torre do Tombo - Cartorios conventuais recolhidos da B. N. de Lisboa, em 1912. Vols. 3 e 4. Documentos adiante sumariados.
Fr. Diogo de Murça conta-se entre os grandes reformadores do ensino, no tempo de D. João 3º. O monarca confiou-lhe alguns postos de alta importância. De Reitor do Colégio da Costa saiu para Reitor da Universidade de Coimbra. Administrou o extinto mosteiro beneditino de S. Miguel de Refoios de Basto e como tal, conseguiu do Papa Pio 3º. autorização para dividir as rendas pelos colégios universitários de S. Jerónimo, de que era conventual, e de S. Bento, ambos de sua fundação. Ma em determinado momento, tentou, beneficiar seus sobrinhos, o cruzio D. João Pinto e o irmão deste, Gonçalo Pinto. Gonçalo chegou a aforar, por 3 vidas, bens do extinto mosteiro. A prova dessa lograda tentativa, está nos pareceres juri­dicos encontrados no seu espólio, adiante referidos. Perante a impos­sibilidade legal da doação, o hieronimita procurou levar à adminis­tração dessas rendas o referido D. João Pinto. A coroa opôs-se, conforme se verifica da carta cujo texto oferecemos atraz. Fr. Diogo deve ter sentido então as pressões da sua ordem e daí o interesse em desfazer a primeira repartição das rendas, pelos dois colégios que Paulo 3.º sancionara. Por isso, em 5 de Janeiro, procede a nova repar­tição, reservando um quarto das rendas a cada uma das suas antigas e novas fundações - o colégio de S. Jerónimo, o colégio de S. Bento, o Oratório de Refoios, em memória do antigo mosteiro, e o colégio dos Pobres, que organizara como Reitor da Universidade, condoído da miséria de muitos estudantes que recorriam à mendicidade para se manterem nos Estudos.
Os Jerónimos prejudicados recalcitraram, e recorreram a Roma, mas Fr. Diogo obteve do Cardeal Afonso Çarafa o monitório apos­tólico de 12 de Maio de 1559, como resposta à queixa dos monges e provincial de sua ordem; subtraiu-se assim à jurisdição conventual e aos monges vedou-se-lhes que voltassem a molestá-lo e a injuriá-lo. Ao mesmo tempo alcançou a suspirada Bula de nomeação do P.e D. João Pinto, como seu futuro e imediato sucessor, na administração da rendas.
A ordem perdeu não só um direito já reconhecido mas ainda ficou na contingência de aceitar depois, um dispenseiro externo, para o seu colégio.
O triunfos de Fr. Diogo confirma-os finalmente a Bula do Car­deal Raynuncio de Setembro de 1559, confirmando a segunda repar­tição da. rendas, levada a efeito em 5 de Janeiro desse ano.
Segue o sumário dos documentos elucidativos:
a) Pareceres jurídicos dados a Fr. Diogo de Murça e encontrados no seu espólio de Refoios, (s. a. n. d.) conforme não podia testar em beneficio de parentes. Vol. 3 ms. Doc. n.º 38. 
b) Treslado do instrumento de repartição das rendas do mosteiro de Refoios de que era administrador Fr. Diogo de Murça, feita por ele entre os colégios de S. Bento, S. ]erónimo e Pobres e Oratorio de Refoios, em 5 de Janeiro de 1559. Vol. 3 ms. Doc. n.º 2.
c) Monitorio apostolico que Fr. Diogo de Murça obteve contra os monges de S. Jeronimo sobre a queixa que estes, com o provincial, tinham feito em Roma, sobre a repartição das rendas do extinto convento de S. Miguel de Refoios de Basto para os dois colégios de S. Bento e S. Jerónimo, afim de que não o moles­tassem nem injuriassem. E passado em Roma, pelo Cardeal Affonso Çarafa, a 12 de Maio de 1559. Vol. 4 ms. (Bulas), Doc. nº 17.
d) Traslado da Bula concedida ao P.e D. João Pinto, conego regular de Sta. Cruz, para ser administrador de Refoios, imediatamente ao seu tio Fr. Diogo de Murça. Vol. 3 ms. Doc. n.º 6. Vid. tb. doc. nº 14. fls. 82.
e) Traslado da Bula do Cardeal Raynuncio, a instancias de Fr. Diogo de Murça, sobre a repartição das rendas de Refoios. Roma, Setembro de 1559. Vol. 3 ms. Doc. n.º 4.
 14. Arquivo Nacional da Torre do Tombo - Corpo Cronológico, Parte 1,° m. 101. Doc. 113.
15. Arquivo Nacional da Torre do Tombo - Cartorios Recolhidos da B. N. de Lisboa, em 1912. Colégio de S. Jerónimo de Coimbra, cf. 4.° volume.
16. Corpo Diplomático Português - Tom. 8, fis. 202, Carta de Lourenço Pires de Távora a EI.Rei, de 18 de Agosto de 1559:
«... Na lista se contem ter advertencia não renuncie Fr. Diogo de Murça o mosteiro de Refoios em o Doctor Antonio Pinto e porque elle está em minha companhia como já tenho escritto a Vossa Alteza sei delle que nunqa disso frey Diogo tratou, nem o pode fazer.
Qua são chegados dous frades de S. Jerónimo hum se chama frey João prior da Costa, outro frey Hector disserãome não me podião dizer ao que vinhão até terem cartas de Vossa Alteza para mim e que as nào trouxerão por partir depressa, entendi vinhão para mollestar o dito frey Diogo e dar lhe mao galardão das obras que elle tem feito em beneficio daquela ordem querendo lhe tirar a administração e governo de seu collegio, e rendas de Refoyos, e fazello declarar por apostata. Parece que com a morte do papa cessara sua empreza e eu não ei por serviço de Vossa Alteza custurmarensse as ordens a mandar que procuradores, nem parece razão ser frei Diogo molestado desta maneira, sendo pessoa de tanto serviço e boas qualidades con­forme sua profissão».
17. Id.
18. Fr. Heitor Pinto - Imagem da Vida Chiristam etc. Ed. Rolandiana, Lisboa. 1843.
«...Vindo eu agora neste meu caminho ter a Çamora, cidade nobre de Castclla fuy visitar o mosteyro de são Domingos, por ser casa de muyta deuação edificada pelo mesmo Sancto...» Parte 2.° - Dialogo da Tranquilidade da Vida, cap. 6, fls. 36.
«...Embarcando eu em Barcelona com outros passageyros, tanto nauegamos pelas duuidosas ondas do mar mediterraneo atrauessando o golfão de Liam, que em poucos dias vimos terra de Italia: e indo ferindo com os duros remos as salgadas agoas do pego Ligustico apàr de Genoua, fomos topar com hü nauio, de que eu soube taes nouas, que me foy necessario deyxar a companhia, o que eu fiz com assaz soydade. Saime logo no areal, e fuyme só por terra por certas causas nccessarias, que eu nam digo, porq sam ellas longas de contar, e nam vem agora a proposito: abasta que me fuy eu por terra ...» Parte 1º. - Dialogo da Tribulação, cap.º 7º, fls. 288.
«Navegando pelo mar Mediterraneo hum religioso Português. . saio em Marselha ... Antes como na cidade vio, o q. nella auia pera ver, foy visitar o mosteiro de Sam Victor da ordem de S. Bêto, q está á vista do muros da outra bãda do mar ... » Parte 2.° - Dialogo da Tranquilidade da Vida - cap. I, fl 1.
«...Eu não posso ficar aqui, porque me he forçado caminhar e ir a cidade ter com meu companheyro, q ficou lá mal desposto...Duas cousas vi neste caminho de grande contentamêto: a primeyra foy a casa de nossa Senhora de Monserrate mosteyro de são Bêto em Catelunha sete legoas de Barcelona, situado nua espantosa serra... A outra foi este devoto e sumptuoso mosteyro, (Mosteiro de S. Victor, perto de Marselha)...(fls. 191). Então lhe disse o religioso Português seu nome: e como era d’hum grãde e sumptuoso mosteyro juncto cõ a real e famosa cidade de Lisboa, situado nas abas d’ hu seguro e fer­moso porto do gram már Oceano. No qual mosteyro auia muytos religiosos de grande honestidade, e obseruãcia, e erudição ...» Parte 2.ª, Dialogo de Tranquilidade da Vida. cap. 27, fls. 188 e fls. 191.
19. Fr. Heitor Pinto - Imagem, etc. cf., P. 2.º, Dialogo 1.º, cap.I,fls. 1.
20. Id. cf. P. I.º, Dialogo - 4.°, cap.º 7, fls. 288.
21. Corpo Diplomático Português, Tom. 8, fls. 202.
22. Id. Tom. 8.º, fls. 405 e 406 - Carta do Dr. Antonio Lopes a El-Rei, de 8 de Maio de 1560:
«... Quanto a causa de Bellem ho procurador do cabido apelou da sentença que contra elle ouue e cometteo a causa de appelaçâo a hum auditor castelhano que chamão ho doutor Gaspar de Quiroga o qual tambem he fora de Roma porque ho mandou e1 Rey de Castella fazer certas diligencias ao reyno de Napoles, sobre ho auditor em que avemos de comprometter temos grande differença porque eu queria comprometter no bispo Quisanense que se chama Prospero de Sancta Cruz porque sempre na Rota se mostrou affeiçoado ao serviço de Vossa Alteza e agora me disse que ho mandava Sua Santidade por nuncio a Vossa Alteza pelo que semdo isto asy serey forçado a com­prometer em outro, eu comunico tudo com dous padres da ordem que qa estão sobre a differença que trazem com frey Diego de Murcia (sic), e Vossa Alteza pode crer que não se perdera nenhum ponto por falta de diligencia».
Id., Tom. 8, fls. 420 e segs, Carta de Lourenço Pires de Tavora a El-Rey - 1560, Maio – 16:
«...Tambem Vossa Alteza me encomenda a demanda que se trata antre o mosteiro de Bellem e o cabido da see de Lisboa della tem cuidado o mesmo doctor e eu de o favorecer e ajudar no que cumpre a elle a tem posta em tal ordem que não se perdera ponto por descuido, qua são dous frades de São Hieronimo como já os dias passados escrevi os quais segundo vejo por huma carta de Vossa Alteza que elles derão fizerão laa entender vinhão a solicitação desta causa e posto que as partes sejão sempre necessarias as lites parece que nesta que se trata com o favor de Vossa Alteza e pello seu pro­curador poderá a ordem escusar esta despeza se lhes não importa para a demanda que trazem com frey Dioguo de Murça a qual entendo ser o principal intento de sua vinda e posto que por pallavras gerais da ditta carta de Vossa Alteza me querião obrigar a os favorecer nesta demanda me pareceo devella entender ao modo que Vossa Alteza a mandaria escrever principalmente vendo eu hum conserto feito com authoridade de Vossa Alteza entre o dito frey Dioguo e o principal e deputado da ditta ordem do qual elles se querem exemir sob pretexto da bulla de Paulo IIII e posto que eu devera favorecer o tal conserto constando me nelle da vontade de Vossa Alteza tomei a via do meo e não favoreço a nenhum e porque elles por ventura darão outra enfor­mação a Vossa Alteza por o doctor Antonio Pinto sobrinho de frey Diogo ser meu secretario e cuidarem que com esse favor alcança jus­tiça affirmo a Vossa Alteza pella verdade que lhe devo fallar, que no negoceo não faço mais que o que tenho ditto e assi entendo e me consta que o ditto Antonio Pinto de meu nome não se ajuda em cousa algua senão de seu dereito».
23. Corpo Diplomático Português, tom. 8, fls. 202 e 420 e segs.
24. Idem.
25. Corpo Diplomático Português -Tom. 8, fls. 22, 202, 420 e segs.
26. Arquivo Nacional da Torre do Tombo - Cartórios Recolhidos da B. N. de Lisboa em 1912. S. Jerónimo de Coimbra – ms.:
a) Vol. 4, doc. n.º 18(2} - Bula do Papa Pio 4.° em que a instancia do Provincial e monges de S. Jerónimo se nomeam juizes contra o P.e Fr. Diogo de Murça por não cumprir a Bula de Paulo 3.°, acerca da igual repartição das rendas de Mosteiro de Refoyos pelos 2 colégios de S. Bento e S. Jerónimo. Roma - 1560 - 6.° dos Idus de Maio - 1.° ano do Pontificado.
b) Vol. 4, Doc. n.° 18 - Bula de Pio 4.°, cometendo ao Arcebispo de Lisboa ou ao Prior da Penha Longa ou ao Cónego ­mais antigo da Sé Olissiponense a queixa que o Provincial e monges antigos da Congregação de S. Jeronimo fizeram contra Fr. Diogo de Murça por não ter conferido ao Colégio de Coimbra metade das rendas de Refoios, com poder de agravar e reagra­var e imposição de interdito até ajuda do braço secular, se necessário fosse. Dada em Roma, no ultimo dia de Junho de 1560, 1.º do pontificado deste Papa.
c) VoI. 4· Doc. nº 19 - Bula de Pio 4.º, cometida ao Bispos de Lisboa e de Coimbra para repartirem as rendas do mostciro de Refoios, suprimido, pelos dois colégios de S. Jeró­nimo e de S. Bento, melhor do que o fizera o P.e Fr. Diogo de Murça. Dado cm Roma, em 1560, a 10 das Kal. de Agosto, 1.º ano do seu pontificado.
d) Vol. 3, fls. 358 v (cf. no Inventário dos papeis de Basto que ficaram por óbito de Fr. Diogo que Gonçalo Pinto entregou): «Uma sentença dada pelo arcebispo de Lisboa e Manoell d’Allm.da e frey Martinho em que se inibem nas causas e nego­cios do padre frey dj.º com a ordem de S. Jeronimo Remetendo todo a Roma» (s. a. n. d.).
e) Vol. 3, Doc. n .8, Concordia, em capitulo privado de Belem, sobre a repartições de Refoios, aceites pelos monges de S. Jeronimo, por intervenção do Rei e do Cardeal Infante. Instrumento lavrado pelo notario apostólico mauoell falleiro, escudeiro fidalgo da Casa d’El-Rei, em 8 de Fevereiro de 1561.
27. Id. Vol. 3 - Concordias e Repartições de rendas do colégio. No inventário dos papeis de Fr. Diogo de Murça, a fls. 358 v., cf. «uma bula apostólica com o seu processo discernido em que dão licença ao P.e Fr. Diogo para totalmente deixar o hábito de S. Jeronimo e tomar o de S. Bento».
Depois da morte de Fr. Diogo, a Rainha Regente mandou arro­lar-lhe o espólio, em Março de 1561, visto ter estado na posse de bens pertencentes aos Jerónimos, v. g. os panos de parede e a biblioteca do falecido infante D. Duarte, que el-Rei lhes doara. Em Refoios não houve qualquer incidente pois Gonçalo Pinto entregou à justiça tudo o que ficara de seu tio; mas, em Coimbra, foi o caso mais sério. Os Bentos encerraram-se no seu colégio, às sete chaves, e fizeram ouvi­dos de mercador a todas a citações do meirinho. Houve que forçar a porta o que logo fez cessar a resistência, iniciando-se o arrolamento, sem mais complicações. Vid.: «Inventario que por carta da Rainha fez o Corregedor de Coimbra de toda a fazenda, papeis e escrituras que por falecimento de Fr. Diogo de Murça se acharam no Colégio de S. Bento e no de S. Jerónimo, em 31 de Março de 1561 e dias seguintes». Vol. 3, doc. nº II, já cf.
28. Arquivo Nacional da Torre do Tombo - Cartórios Con­ventuais remetidos da B. N. de Lisboa, em 1912. S. Jerónimo de Coimbra:
a) Vol. 3, Doc. n.º 15 - Concordia (Traslado) feita no Mosteiro da Costa entre o P.e D. João Pinto e a ordem de S. Jeró­nimo pela qual aquele cedeu a esta as rendas do colégio de S. Jerónimo, em Refoios, de que ficara administrador. Em 11 de Maio de 1562.
b) Vol. 4, Doc. n.O 20 - Confirmação pelo Cardeal Infante, sendo Núncio de Portugal, no pontificado de Pio V, reinando D. Sebastião, do instrumento de concórdia da repartição das rendas de Refoios, cometida ao Vigario Geral e Provisor de Braga. Evora, 23 de Novembro de 1569.
c) Vol. 3, n.º 44 - Memoria das questões havidas entre os Jerónimos e Fr. Diogo de Murça sobre a repartição das rendas do Mosteiro de Refoios (s. a. n. d.) feito durante o provincialato de Fr. Francisco de Barcelos (sec. XVI).
29. Corpo Diplomático Português - Tom. 9, fls. 74 e segs. Carta de Lourenço Pires de Tavora a El-Rei:


a fls 79 «...A causa do mosteiro de Bellem com o cabido de Lisboa me diz o mesmo doctor esta conclusa na mão do auditor e tomado o termo da sentença em favor do mosteiro esperasse resolu­ção de certa dificuldade que tem o juiz e que com isso assine a dita sentença. Os frades que qua andavão sam partidos para esse reyno...».


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Estatística baseada na lista dos sentenciados na Inquisição publicada neste blogue:
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