sábado, 20 de junho de 2015

Covilhã - Frei Heitor Pinto IV

    O nosso blogue vive do espólio de Luiz Fernando Carvalho Dias, que continuamos a explorar. Desde sempre soubemos o interesse do investigador por Frei Heitor Pinto, que originou a publicação da obra “Fr. Heitor Pinto (Novas achegas para a sua biografia)”, o 1º da sua vasta obra. Aquando das comemorações do IV centenário da morte do frade jerónimo, que se realizaram na Covilhã a 2 de Dezembro de 1984, empenhou-se totalmente para que a figura de Frei Heitor fosse mais divulgada.

A propósito de monografias covilhanenses, Luiz Fernando Carvalho Dias lembrou Frei Heitor Pinto:
“Não ainda em monografia, mas como simples descrição, registo a primeira imagem da Covilhã em forma literária. Cabe ao nosso Frei Heitor Pinto, o escritor português mais divulgado e com mais edições no século XVI. Trata-se de uma imagem enternecida, como que uma saudade de peregrino a adivinhar exílios, muito embora a abundância dos adjectivos desmereça da evocação:

 “ … Inexpugnável por fortes e altos muros, situada num lugar alto e desabafado e de singular vista, entre duas frescas e perenais ribeiras, com a infinidade de frias e excelentes fontes e cercada de deleitosos e frutíferos arvoredos.  “ (1)

 Estamos a publicar informações sobre Frei Heitor Pinto. Baseamo-nos em reflexões do investigador, em fotografias e textos da Exposição de 1984 e na obra sobre Frei Heitor Pinto.
    Acompanhemos a obra “Fr. Heitor Pinto (Novas achegas para a sua biografia)” de Luiz Fernando Carvalho Dias:

[...]

Escolar, escritor e viajante


Após a profissão religiosa, Fr. Heitor Pinto que­dou-se em Belém, no aperfeiçoamento monástico. Nestes anos mergulham suas raízes, as saudades do mosteiro e da suave conversação dos religiosos, que adiante o haviam de crucificar ao arrebatá-lo o tur­bilhão da vida activa, em plena metrópole da Cristandade.

Antigo Colégio da Costa, Guimarães


Sabemos que do mosteiro de Belém não seguiu directamente para a Universidade de Coimbra, mas ouviu antes um curso de Fr. Jorge de Belém (1), no Colé­gio da Costa, em Guimarães. Para esse curso indicá­mos a data presumível de 1546-1547, visto não constar das provanças de Siguença nem se mencionar na Dedi­catória ao Cardeal Infante (2). Pouca importância isso lhe devia merecer.
Os seus estudos, além do período secular, consagrado ao direito civil em Coimbra e em Salamanca, vão decorrer todos na Universidade Portuguesa:

«Et interfluxis nonnullis annis missus a primate meo totius ordinis moderatore ad ordinis Collegium tanquam ad bonarurn artium mercaturam, mea studia longo intervallo intermissa revocaui. lbi octo continuos annos auide et ardenter dedi operam lite­ris in quibus totum cursum et philosophiae et theologiae sub excelentibus praeceptoribus virtute et sapientia praestantibus perfeci, et utriusque linguae Graecae, et Hebraicae notitiam campa­raui (3).

Coimbra
Fotografia de Miguel Nuno Peixoto de Carvalho Dias

Para completa notícia destes oito anos, socorremo­-nos além desta confissão dos documentos de Siguença. Eles indicam como, em Coimbra, os três primeiros foram dedicados ao estudo das artes e os restantes cinco à Santa Teologia. Visto estar pronto para o bacharelato em Artes, em 12 de Março de 1550 (4), fixamos para estes estudos os anos de 1547-48 a 1549-50 e para a Teologia os de 1550-51 a 1555-56.
Terminados os estudos, regressou Fr. Heitor Pinto ao mosteiro de Belém para, longe de todas as preo­cupações humanas, se consagrar às letras divinas. Dos Profetas escolheu Isaías, pela grandeza e utilidade da sua obra e por serem poucos os comentadores.

«. . . A collegio reversus ad monasterium, unde profectus fueram quantum potui, me abduxit ab omni negotio humano, totumque me dedidi studio diuinarum literarum.
Et consideranti mihi, atque saepe numero memo­ria repetenti prophetae Esaiae utilitatem, magnifi­centiam, et amplitudinê, esseque eius expositores paucissimos, eosque brevissimos, eumque multis in locis indigere explanatione, oriebatur desiderium quoddam eius explanandi...» (5).



Esaíam Prophetam Commentaria




A vastidão do empreendimento e a profundeza do profeta conquanto o houvessem abalado de receios na alma, não lhe desarmaram a vontade, de modo que em meados do ano de 59 podia alegrar-se com a redacção definitiva da sua primeira obra de exegese.
Mas não a publicou logo; meteu-a na sacola de peregrino e levou-a consigo para Roma, sujeitando-a à censura de Teólogos Jesuítas (6) e Dominicanos (7).


*
*          *

Roma
Fotografia de Miguel Nuno Peixoto de Carvalho Dias
                                                                  


A ordem de S. Jerónimo trazia, em Roma, duas questões importantes: uma com o cabido de Lisboa e outra com o seu antigo e ilustre conventual Fr. Diogo de Murça. Na primeira discutiam-se os dízimos dos cerrados de Belém. Os hieronimitas perderam a causa em Lisboa e apelaram para a Santa Sé. Desconhecemos porém o ano em que o processo subiu aos tri­bunais Romanos. Aí o encontramos, contudo, cm 1551. Refere-se-lhe o Embaixador de Portugal D. Afonso de Alencastre, em carta para D. João III, de 1 de Dezembro desse ano (8).
Pleiteava pelos frades o Dr. António Lopes que alcançou a revogação da sentença de Lisboa em 1558 (9). O cabido não se conformou e a questão estendeu-se por alguns anos (10).
Os monges conseguiram novo provimento na Rota, em 1561 (11), mas, no ano seguinte, a causa ainda não tinha terminado (12).
Na demanda de Fr. Diogo de Murça, questionavam-se as rendas do mosteiro de Refóios, cuja adminis­tração pretendia transferir, por morte, a seu sobrinho D. João Pinto, preterindo a ordem. Este pleito entra­ria, em Roma, cerca de I557, porque a ele se reporta a Rainha Regente, em 19 de Agosto, na correspondência para o embaixador:

« ... Eu sam informado que frei Diogo de Murça, queria pôr o mosteiro de Refoios de Basto que ora tem em hum seu sobrinho, e posto que o eu não crea, todavia porque folgaria saber no certo se he assi, ou não, vos encomendo muito que procureis por saber se o dito frei Diogo de Murça fas nisto algua instancia, achando que o requere e o pede a Sua Santidade trabalhareis por lhe estorvar que se não ponha o dito Mosteiro em nenhua pessoa e avizarme eis do que achardes e souberdes e tereis muita vigilancia e cudado (sic) pera que se lhe não passe. El-Rei meu Senhor e Avo que santa gloria aja vos tinha escrito sobre a demanda do mosteiro de Bellem, e porque eu receberei contentamento em fazerdes ter della muito bom cudado, (sic) vos encomendo muito que o façais asi, e que me escre­vais os termos em que estiver» (13).

Daqui se conclui: a coroa tutelava os interesses dos hieronimitas contra Fr. Diogo de Murça, conside­rando desrazoáveis as pretensões do frade.
Em 14 de Setembro, este religioso tentava justifi­car-se, perante o monarca:

Sñor
per gõçalo pito meu sobrinho Re/ceby hua carta de V. A. e agora Receby outra p hu moço de sua estri/beira ãbas sobre as differêças q os pá/dres de nossa ordê querê ter comjgo / e por q estas deffe rêcas nascê de / cousas q està mto doutra manra de q./la se offrecê a  v. a. quero ãtes tomar / o trabalho dir dar Rezão de todo o q / passa q Respõder cou­sas q Requeirã / outra e outra Resposta, eu me fiqº/fazêdo prestes p.ª hir e como o for / logo hirey e prazera a nosso Sõr/q tudo se assentara a serviço de ds. / e de v. a., a graca do spiritu sãto sseja / sêpre cõ v. a. de coymbra a xiiij de setêbro de 1557/
frey dyº/
de Murça»
No verso: «Pera el Rey/nosso Sõr/» (14).

Carecemos de elementos precisos para seguir em Roma os trâmites da causa: somente a Bula que nomeia D. João Pinto, imediato sucessor de seu tio, na adminis­tração de Refóios e o Monitório Apostólico de 12 de Maio de 1559 (15) segundo o qual Fr. Diogo alcançou da Santa Sé o privilégio de não ser molestado nem injuriado pelos confrades nos elucidam desta primeira fase da con­tenda. Daqui resultou a ordem abandonar o campo teó­rico das queixas e tomar a iniciativa de enviar a Roma dois emissários.
Recaiu a escolha em Fr. João, prior do Mosteiro da Costa e em Fr. Heitor Pinto (16).
Saíram de Portugal apressadamente (17), pela fronteira de Zamora, até Barcelona (18).
Daí navegaram, tocando em Marselha (19), para Génova, onde Fr. Heitor Pinto recebeu as notícias que, por razões importantes, o obrigaram a jornadear, por terra (20) até Roma, onde se encontrava já, com o seu compa­nheiro, em 18 de Agosto de 1559 (21).
Rodeou-se a viagem de certo mistério, alardean­do-se sòmente a conveniência de assistir directamente à questão do cabido, que dormia num poço sem fundo ... mas ligado andava o fim oculto e principal, o caso de Fr. Diogo de Murça, cujo sobrinho, Doutor António Pinto, secretariava o embaixador Lourenço Pires de Távora e emprestava a influência do seu cargo à causa do tio (22).
Contavam os dois hieronimitas ultrapassar esta montanha, erguida contra aquilo que julgavam ser a sua justiça.
Não sabemos até que ponto o conseguiram. As car­tas do novo embaixador refletem nitidamente má von­tade para com eles e inclinação ao partido de Fr. Diogo, muito embora aquele confesse uma neutralidade apa­rente diante da Rainha (23).
D. Catarina evita sempre abordar o assunto.
Lourenço Pires força novas instruções, apelando para os serviços de Fr. Diogo e para a sua alta catego­ria: mas nada consegue porque continuam de pé, perante o silêncio da regente, as instruções que figuravam nas lembranças do seu antecessor (24).
O retraímento de Fr. Heitor e do seu companheiro, no colóquio do embaixador, justifica-se, pois; eles não exorbitavam quando pretendiam puxar, também, para esta demanda, o favor do representante Régio (25).
Da sua actuação em Roma resulta terem alcançado de Pio IV, nesta causa, pelo menos três bulas: uma, a 10 de Maio de 1560, nomeando magistrados eclesiásticos que julgassem Fr. Diogo pelo não cumprimento da Bula de Paulo III, acerca da igual repartição da rendas; outra, do último dia de Junho de 1560, cometendo ao arce­bispo de Lisboa ou ao Prior de Penha Longa, ou ao cónego mais antigo da Sé Olissiponense, a queixa dos Jerónimos contra Fr. Diogo, reservando os agravos e reagravos de censuras e interditos, mas concedendo o recurso à ajuda do braço secular, se necessário fosse; e ainda outra, de 23 de Agosto desse ano, encarregando os bispos de Lisboa e de Coimbra da nova repartição das rendas pelos dois mosteiros de S. Jerónimo e de S. Bento, melhor do que o fizera o P.e Fr. Diogo de Murça.
Não obstante estas três bulas que mudaram os ventos a favor dos hieronimitas, a questão voltou para Roma, e aí se eternizaria se o Rei e o Cardeal Infante não interviessem, aconselhando paz, mesmo com sacrifício de direitos (26).
Perante uma batalha tão renhida, Fr. Diogo aban­donou a ordem e recolheu-se à de S. Bento (27), em cujo colégio de Coimbra faleceu pouco depois, mas D. João Pinto acabou por acordar, com a ordem, uma reparti­ção equitativa das rendas de Refóios (28).
Fr. Heitor e Fr. João abandonaram Roma nas vés­peras de 13 de Outuhro de 1560, data em que o Embai­xador o comunica para o Reino (29).

Notas:
1. Mário Brandão – Coimbra e D. António Rei de Portugal, Coimbra, 1939, fls. 20.
2. Fr. Heitor Pinto - In Esaiam Prophetam Comentaria, etc. Lugduni, 1561, na cf. dedicatória.
3. ld.  – id.
4. Mário Brandão - O Colegio das Artes, I, 1547-1555. Coimbra 1924, fls. 478, com a transcrição do doc. do Arq. da Univ. Liv.º 3º de Autos e Provas de Cursos – 1537-1550, caderno de 1549-50, fls. 112, vº.
5. Fr. Heitor Pinto - In Esaiam Prophetam Comentaria, etc. Lugduni, 1561, na cf. dedicatória.
6. Id. - Id.
«Reuerendi patris generalis Societatis Iesu. viri sapientissimi et optimi.
Ego dedi hoc opus legendum patribus nostrae societatis viris doctis et religiosis, qui illud accuratissime et attentissime aiunt legisse et examinasse, et asserunt nihil in eo contineri contra sanctam ecclesiam, neque contra bonos more, quin possius esse librum hunc catho­licurn, pium, doctum, et utilem. Datum Romae, in nostro collegio die secundo Septcmbris anno a Christi natiuitate 1560.
 Lainez»
7. Id. - Id .
«Reverendi patris procuratoris generalis ordinis praedicato­rum viri magni omnique virtute et sapientia. praestantis.
Ego frater Eustachius Luchatellus Bononiensis in sacra theolo­gia magister, totius ordinis praedicatorum procurator perlegi quanta diligentia potuit et debui haec commentaria fratis Hectoris Pinti Lusi­tani in Esaiam prophetam, et nihil in illis inueni, quod sanctae Roma­nae uniuersalique ecclesiae repugnaret, neque quod posset pias aures offendere. Imo testificor esse hoc opus Christiana pietate, et solida magnaque doctrina refertum. In cuius testimonium hoc chirografum mea manu scripsi et consignaui. Romae in nostro Monasterio Sanctae Mariae supra Mineruam in loco habitationis solito: anno a virginis partu 1560.
Calendis Iunij.
F. Eustachius Luchatellus».
8. Corpo Diplomático Português - Tom. 7, fls. 82:
«Outra carta me derão de Vossa Alteza a XXIII do passado feita a XVII dagosto sobre ha causa de Belem, para que ha emcommendasse ao doutor Antonyo Lopez eu ho fiz. Ele tem disso tão bom cuidado que espero em Deus que se reduzira ho negoceo a bons termos. E eu lhe peço dele comta e ho consulta comigo. E asentamos que pri­meiro que tudo, se lhe trate de nulidades, e depois se trate de bono jure, porque he milhor vya que tratar logo do dereyto. E nisto se pora toda boa delygencia porque ho tem a meu parecer bem emtem­dido, e me parece que ho fara aynda com mays delygencia, porque a que Vossa Alteza lhe fazia grande merce em se servir dele: do que soceder sera avisado.
9. Corpo Diplomático Português - Tom. 8, fls. 83, em carta do Comendador mór para El-Rei, de 11 de Dezembro de I558, com refe­rências ao Dr. Antonio Lopes:
«...Tambem lhe deve Vossa Alteza agardecer (sic) a sentença de Belem que lhe screvi os dias passados que ouveramos em favor deste mosteiro contra o capitulo de Lixboa e aqui a envio a Vossa Alteza com sperar que me mande dizer se ha por seu serviço que prosigamos as mais ou se nos deixaremos star porque tenho para mim que o cabido de Lixboa nom pode mais alegar que o que tem alegado e asi sperarei a ordem que Vossa Alteza me nisto manda para saber o que ei de fazer ...»
fls. 87 - (Carta do Dr. Antonio Lopes, para El Rey , de 12 de Dezembro de 1558):
« ... Outro si quanto ha demanda de Belem contra ho cabido ja escrevi a Vossa Alteza como a rota deu sentença em favor do mos­teiro revogando as que eram dadas pelo cabido, e posto que o tralado da sentença se mandou a Vossa Alteza agora de novo dei ao embai­xador ho estromento della pera que hos frades esten seguros de não poder ser molestados ate se a causa acabar de todo: ho procurador do cabido apelou e ha causa esta cometida por elle a sua instancia ao doutor Gaspar de Quiroga, espanhol...»
fls 136 - «Capitulo da carta d'el Rei para o comendador mor.
Para a carta do comendador moor (s. a. n. d.) ... Por o padres do moesteiro de Belem e por vosa carta soube o que pasava acer­qua da demanda que pemde antre eles e o cabido desta cidade e folguey de ver o cuidado que temdes dela. E porque ele vos escreverm largamente sobre ysso nam tenho outra cousa que vos dizer senam emcomendarvos muyto como emcomendo que dela tenhays e man­deys ter grande e especial cuidado pelo muyto que importa ao dycto moesteiro...»
10. Corpo Diplomático Português - Tom. 8, fls. 406, publicado adiante.
11. Corpo Diplomático Português - Tom. 9, fls. 312, Carta de Lourenço Pires de Távora para El-Rei, em 19 de Julho de 1561:
«Senhor - com esta sera o instrumento da sentença dada agora pella Rotta em favor do mosteiro de Belem contra o cabido de Lisboa sobre a dizima que litiguavão ao doutor Antonio Lopez dei cuidado de escrever tudo o que nisso passa e portanto no que toca a esta partida me remetto a sua carta...»
12. Corpo Diplomático Português. Tom. 9. fls. 472 - «Relação dos negócio por expedir que Lourenço Pires de Tavora deixou ao Dr. António Pinto, tis. 472 e segs.
1562 - Abril 21 ... 
fls. 478-79." ... Lites ... 
... Item. Outra demanda do cabido de Lisboa com o mosteiro de Belem sobre os dizimos dos cerrados do ditto mosteiro, na qual ouvemo sentença contra o cabido, tendo elle trez ou quatro em seu favor, et in re judicata agora faltão outras duas pera este negocio se acabar de todo, o doctor Antonio Lopez he procurador dos padres, e a demanda se faz à custa delles, e este negocio se encomendou ao ditto doctor por mandado d'El rrey como se vê pella carta de XVII d'agosto MDLI - que aqui entreguo.
À margem: He avida a segunda sentença nesta demanda que mandei a sua alteza.» Estes negocios lhe deixou o comendor mór D. Afonso».
13. Corpo Diplomático Português - Tom. 8 fls. 22.
Arquivo Nacional da Torre do Tombo - Cartorios conventuais recolhidos da B. N. de Lisboa, em 1912. Vols. 3 e 4. Documentos adiante sumariados.
Fr. Diogo de Murça conta-se entre os grandes reformadores do ensino, no tempo de D. João 3º. O monarca confiou-lhe alguns postos de alta importância. De Reitor do Colégio da Costa saiu para Reitor da Universidade de Coimbra. Administrou o extinto mosteiro beneditino de S. Miguel de Refoios de Basto e como tal, conseguiu do Papa Pio 3º. autorização para dividir as rendas pelos colégios universitários de S. Jerónimo, de que era conventual, e de S. Bento, ambos de sua fundação. Ma em determinado momento, tentou, beneficiar seus sobrinhos, o cruzio D. João Pinto e o irmão deste, Gonçalo Pinto. Gonçalo chegou a aforar, por 3 vidas, bens do extinto mosteiro. A prova dessa lograda tentativa, está nos pareceres juri­dicos encontrados no seu espólio, adiante referidos. Perante a impos­sibilidade legal da doação, o hieronimita procurou levar à adminis­tração dessas rendas o referido D. João Pinto. A coroa opôs-se, conforme se verifica da carta cujo texto oferecemos atraz. Fr. Diogo deve ter sentido então as pressões da sua ordem e daí o interesse em desfazer a primeira repartição das rendas, pelos dois colégios que Paulo 3.º sancionara. Por isso, em 5 de Janeiro, procede a nova repar­tição, reservando um quarto das rendas a cada uma das suas antigas e novas fundações - o colégio de S. Jerónimo, o colégio de S. Bento, o Oratório de Refoios, em memória do antigo mosteiro, e o colégio dos Pobres, que organizara como Reitor da Universidade, condoído da miséria de muitos estudantes que recorriam à mendicidade para se manterem nos Estudos.
Os Jerónimos prejudicados recalcitraram, e recorreram a Roma, mas Fr. Diogo obteve do Cardeal Afonso Çarafa o monitório apos­tólico de 12 de Maio de 1559, como resposta à queixa dos monges e provincial de sua ordem; subtraiu-se assim à jurisdição conventual e aos monges vedou-se-lhes que voltassem a molestá-lo e a injuriá-lo. Ao mesmo tempo alcançou a suspirada Bula de nomeação do P.e D. João Pinto, como seu futuro e imediato sucessor, na administração da rendas.
A ordem perdeu não só um direito já reconhecido mas ainda ficou na contingência de aceitar depois, um dispenseiro externo, para o seu colégio.
O triunfos de Fr. Diogo confirma-os finalmente a Bula do Car­deal Raynuncio de Setembro de 1559, confirmando a segunda repar­tição da. rendas, levada a efeito em 5 de Janeiro desse ano.
Segue o sumário dos documentos elucidativos:
a) Pareceres jurídicos dados a Fr. Diogo de Murça e encontrados no seu espólio de Refoios, (s. a. n. d.) conforme não podia testar em beneficio de parentes. Vol. 3 ms. Doc. n.º 38. 
b) Treslado do instrumento de repartição das rendas do mosteiro de Refoios de que era administrador Fr. Diogo de Murça, feita por ele entre os colégios de S. Bento, S. ]erónimo e Pobres e Oratorio de Refoios, em 5 de Janeiro de 1559. Vol. 3 ms. Doc. n.º 2.
c) Monitorio apostolico que Fr. Diogo de Murça obteve contra os monges de S. Jeronimo sobre a queixa que estes, com o provincial, tinham feito em Roma, sobre a repartição das rendas do extinto convento de S. Miguel de Refoios de Basto para os dois colégios de S. Bento e S. Jerónimo, afim de que não o moles­tassem nem injuriassem. E passado em Roma, pelo Cardeal Affonso Çarafa, a 12 de Maio de 1559. Vol. 4 ms. (Bulas), Doc. nº 17.
d) Traslado da Bula concedida ao P.e D. João Pinto, conego regular de Sta. Cruz, para ser administrador de Refoios, imediatamente ao seu tio Fr. Diogo de Murça. Vol. 3 ms. Doc. n.º 6. Vid. tb. doc. nº 14. fls. 82.
e) Traslado da Bula do Cardeal Raynuncio, a instancias de Fr. Diogo de Murça, sobre a repartição das rendas de Refoios. Roma, Setembro de 1559. Vol. 3 ms. Doc. n.º 4.
 14. Arquivo Nacional da Torre do Tombo - Corpo Cronológico, Parte 1,° m. 101. Doc. 113.
15. Arquivo Nacional da Torre do Tombo - Cartorios Recolhidos da B. N. de Lisboa, em 1912. Colégio de S. Jerónimo de Coimbra, cf. 4.° volume.
16. Corpo Diplomático Português - Tom. 8, fis. 202, Carta de Lourenço Pires de Távora a EI.Rei, de 18 de Agosto de 1559:
«... Na lista se contem ter advertencia não renuncie Fr. Diogo de Murça o mosteiro de Refoios em o Doctor Antonio Pinto e porque elle está em minha companhia como já tenho escritto a Vossa Alteza sei delle que nunqa disso frey Diogo tratou, nem o pode fazer.
Qua são chegados dous frades de S. Jerónimo hum se chama frey João prior da Costa, outro frey Hector disserãome não me podião dizer ao que vinhão até terem cartas de Vossa Alteza para mim e que as nào trouxerão por partir depressa, entendi vinhão para mollestar o dito frey Diogo e dar lhe mao galardão das obras que elle tem feito em beneficio daquela ordem querendo lhe tirar a administração e governo de seu collegio, e rendas de Refoyos, e fazello declarar por apostata. Parece que com a morte do papa cessara sua empreza e eu não ei por serviço de Vossa Alteza custurmarensse as ordens a mandar que procuradores, nem parece razão ser frei Diogo molestado desta maneira, sendo pessoa de tanto serviço e boas qualidades con­forme sua profissão».
17. Id.
18. Fr. Heitor Pinto - Imagem da Vida Chiristam etc. Ed. Rolandiana, Lisboa. 1843.
«...Vindo eu agora neste meu caminho ter a Çamora, cidade nobre de Castclla fuy visitar o mosteyro de são Domingos, por ser casa de muyta deuação edificada pelo mesmo Sancto...» Parte 2.° - Dialogo da Tranquilidade da Vida, cap. 6, fls. 36.
«...Embarcando eu em Barcelona com outros passageyros, tanto nauegamos pelas duuidosas ondas do mar mediterraneo atrauessando o golfão de Liam, que em poucos dias vimos terra de Italia: e indo ferindo com os duros remos as salgadas agoas do pego Ligustico apàr de Genoua, fomos topar com hü nauio, de que eu soube taes nouas, que me foy necessario deyxar a companhia, o que eu fiz com assaz soydade. Saime logo no areal, e fuyme só por terra por certas causas nccessarias, que eu nam digo, porq sam ellas longas de contar, e nam vem agora a proposito: abasta que me fuy eu por terra ...» Parte 1º. - Dialogo da Tribulação, cap.º 7º, fls. 288.
«Navegando pelo mar Mediterraneo hum religioso Português. . saio em Marselha ... Antes como na cidade vio, o q. nella auia pera ver, foy visitar o mosteiro de Sam Victor da ordem de S. Bêto, q está á vista do muros da outra bãda do mar ... » Parte 2.° - Dialogo da Tranquilidade da Vida - cap. I, fl 1.
«...Eu não posso ficar aqui, porque me he forçado caminhar e ir a cidade ter com meu companheyro, q ficou lá mal desposto...Duas cousas vi neste caminho de grande contentamêto: a primeyra foy a casa de nossa Senhora de Monserrate mosteyro de são Bêto em Catelunha sete legoas de Barcelona, situado nua espantosa serra... A outra foi este devoto e sumptuoso mosteyro, (Mosteiro de S. Victor, perto de Marselha)...(fls. 191). Então lhe disse o religioso Português seu nome: e como era d’hum grãde e sumptuoso mosteyro juncto cõ a real e famosa cidade de Lisboa, situado nas abas d’ hu seguro e fer­moso porto do gram már Oceano. No qual mosteyro auia muytos religiosos de grande honestidade, e obseruãcia, e erudição ...» Parte 2.ª, Dialogo de Tranquilidade da Vida. cap. 27, fls. 188 e fls. 191.
19. Fr. Heitor Pinto - Imagem, etc. cf., P. 2.º, Dialogo 1.º, cap.I,fls. 1.
20. Id. cf. P. I.º, Dialogo - 4.°, cap.º 7, fls. 288.
21. Corpo Diplomático Português, Tom. 8, fls. 202.
22. Id. Tom. 8.º, fls. 405 e 406 - Carta do Dr. Antonio Lopes a El-Rei, de 8 de Maio de 1560:
«... Quanto a causa de Bellem ho procurador do cabido apelou da sentença que contra elle ouue e cometteo a causa de appelaçâo a hum auditor castelhano que chamão ho doutor Gaspar de Quiroga o qual tambem he fora de Roma porque ho mandou e1 Rey de Castella fazer certas diligencias ao reyno de Napoles, sobre ho auditor em que avemos de comprometter temos grande differença porque eu queria comprometter no bispo Quisanense que se chama Prospero de Sancta Cruz porque sempre na Rota se mostrou affeiçoado ao serviço de Vossa Alteza e agora me disse que ho mandava Sua Santidade por nuncio a Vossa Alteza pelo que semdo isto asy serey forçado a com­prometer em outro, eu comunico tudo com dous padres da ordem que qa estão sobre a differença que trazem com frey Diego de Murcia (sic), e Vossa Alteza pode crer que não se perdera nenhum ponto por falta de diligencia».
Id., Tom. 8, fls. 420 e segs, Carta de Lourenço Pires de Tavora a El-Rey - 1560, Maio – 16:
«...Tambem Vossa Alteza me encomenda a demanda que se trata antre o mosteiro de Bellem e o cabido da see de Lisboa della tem cuidado o mesmo doctor e eu de o favorecer e ajudar no que cumpre a elle a tem posta em tal ordem que não se perdera ponto por descuido, qua são dous frades de São Hieronimo como já os dias passados escrevi os quais segundo vejo por huma carta de Vossa Alteza que elles derão fizerão laa entender vinhão a solicitação desta causa e posto que as partes sejão sempre necessarias as lites parece que nesta que se trata com o favor de Vossa Alteza e pello seu pro­curador poderá a ordem escusar esta despeza se lhes não importa para a demanda que trazem com frey Dioguo de Murça a qual entendo ser o principal intento de sua vinda e posto que por pallavras gerais da ditta carta de Vossa Alteza me querião obrigar a os favorecer nesta demanda me pareceo devella entender ao modo que Vossa Alteza a mandaria escrever principalmente vendo eu hum conserto feito com authoridade de Vossa Alteza entre o dito frey Dioguo e o principal e deputado da ditta ordem do qual elles se querem exemir sob pretexto da bulla de Paulo IIII e posto que eu devera favorecer o tal conserto constando me nelle da vontade de Vossa Alteza tomei a via do meo e não favoreço a nenhum e porque elles por ventura darão outra enfor­mação a Vossa Alteza por o doctor Antonio Pinto sobrinho de frey Diogo ser meu secretario e cuidarem que com esse favor alcança jus­tiça affirmo a Vossa Alteza pella verdade que lhe devo fallar, que no negoceo não faço mais que o que tenho ditto e assi entendo e me consta que o ditto Antonio Pinto de meu nome não se ajuda em cousa algua senão de seu dereito».
23. Corpo Diplomático Português, tom. 8, fls. 202 e 420 e segs.
24. Idem.
25. Corpo Diplomático Português -Tom. 8, fls. 22, 202, 420 e segs.
26. Arquivo Nacional da Torre do Tombo - Cartórios Recolhidos da B. N. de Lisboa em 1912. S. Jerónimo de Coimbra – ms.:
a) Vol. 4, doc. n.º 18(2} - Bula do Papa Pio 4.° em que a instancia do Provincial e monges de S. Jerónimo se nomeam juizes contra o P.e Fr. Diogo de Murça por não cumprir a Bula de Paulo 3.°, acerca da igual repartição das rendas de Mosteiro de Refoyos pelos 2 colégios de S. Bento e S. Jerónimo. Roma - 1560 - 6.° dos Idus de Maio - 1.° ano do Pontificado.
b) Vol. 4, Doc. n.° 18 - Bula de Pio 4.°, cometendo ao Arcebispo de Lisboa ou ao Prior da Penha Longa ou ao Cónego ­mais antigo da Sé Olissiponense a queixa que o Provincial e monges antigos da Congregação de S. Jeronimo fizeram contra Fr. Diogo de Murça por não ter conferido ao Colégio de Coimbra metade das rendas de Refoios, com poder de agravar e reagra­var e imposição de interdito até ajuda do braço secular, se necessário fosse. Dada em Roma, no ultimo dia de Junho de 1560, 1.º do pontificado deste Papa.
c) VoI. 4· Doc. nº 19 - Bula de Pio 4.º, cometida ao Bispos de Lisboa e de Coimbra para repartirem as rendas do mostciro de Refoios, suprimido, pelos dois colégios de S. Jeró­nimo e de S. Bento, melhor do que o fizera o P.e Fr. Diogo de Murça. Dado cm Roma, em 1560, a 10 das Kal. de Agosto, 1.º ano do seu pontificado.
d) Vol. 3, fls. 358 v (cf. no Inventário dos papeis de Basto que ficaram por óbito de Fr. Diogo que Gonçalo Pinto entregou): «Uma sentença dada pelo arcebispo de Lisboa e Manoell d’Allm.da e frey Martinho em que se inibem nas causas e nego­cios do padre frey dj.º com a ordem de S. Jeronimo Remetendo todo a Roma» (s. a. n. d.).
e) Vol. 3, Doc. n .8, Concordia, em capitulo privado de Belem, sobre a repartições de Refoios, aceites pelos monges de S. Jeronimo, por intervenção do Rei e do Cardeal Infante. Instrumento lavrado pelo notario apostólico mauoell falleiro, escudeiro fidalgo da Casa d’El-Rei, em 8 de Fevereiro de 1561.
27. Id. Vol. 3 - Concordias e Repartições de rendas do colégio. No inventário dos papeis de Fr. Diogo de Murça, a fls. 358 v., cf. «uma bula apostólica com o seu processo discernido em que dão licença ao P.e Fr. Diogo para totalmente deixar o hábito de S. Jeronimo e tomar o de S. Bento».
Depois da morte de Fr. Diogo, a Rainha Regente mandou arro­lar-lhe o espólio, em Março de 1561, visto ter estado na posse de bens pertencentes aos Jerónimos, v. g. os panos de parede e a biblioteca do falecido infante D. Duarte, que el-Rei lhes doara. Em Refoios não houve qualquer incidente pois Gonçalo Pinto entregou à justiça tudo o que ficara de seu tio; mas, em Coimbra, foi o caso mais sério. Os Bentos encerraram-se no seu colégio, às sete chaves, e fizeram ouvi­dos de mercador a todas a citações do meirinho. Houve que forçar a porta o que logo fez cessar a resistência, iniciando-se o arrolamento, sem mais complicações. Vid.: «Inventario que por carta da Rainha fez o Corregedor de Coimbra de toda a fazenda, papeis e escrituras que por falecimento de Fr. Diogo de Murça se acharam no Colégio de S. Bento e no de S. Jerónimo, em 31 de Março de 1561 e dias seguintes». Vol. 3, doc. nº II, já cf.
28. Arquivo Nacional da Torre do Tombo - Cartórios Con­ventuais remetidos da B. N. de Lisboa, em 1912. S. Jerónimo de Coimbra:
a) Vol. 3, Doc. n.º 15 - Concordia (Traslado) feita no Mosteiro da Costa entre o P.e D. João Pinto e a ordem de S. Jeró­nimo pela qual aquele cedeu a esta as rendas do colégio de S. Jerónimo, em Refoios, de que ficara administrador. Em 11 de Maio de 1562.
b) Vol. 4, Doc. n.O 20 - Confirmação pelo Cardeal Infante, sendo Núncio de Portugal, no pontificado de Pio V, reinando D. Sebastião, do instrumento de concórdia da repartição das rendas de Refoios, cometida ao Vigario Geral e Provisor de Braga. Evora, 23 de Novembro de 1569.
c) Vol. 3, n.º 44 - Memoria das questões havidas entre os Jerónimos e Fr. Diogo de Murça sobre a repartição das rendas do Mosteiro de Refoios (s. a. n. d.) feito durante o provincialato de Fr. Francisco de Barcelos (sec. XVI).
29. Corpo Diplomático Português - Tom. 9, fls. 74 e segs. Carta de Lourenço Pires de Tavora a El-Rei:


a fls 79 «...A causa do mosteiro de Bellem com o cabido de Lisboa me diz o mesmo doctor esta conclusa na mão do auditor e tomado o termo da sentença em favor do mosteiro esperasse resolu­ção de certa dificuldade que tem o juiz e que com isso assine a dita sentença. Os frades que qua andavão sam partidos para esse reyno...».


As publicações do blogue:


Estatística baseada na lista dos sentenciados na Inquisição publicada neste blogue:
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2011/11/covilha-lista-dos-sentenciados-na.html

As publicações sobre Frei Heitor Pinto no nosso blogue:
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2015/05/covilha-frei-heitor-pinto-iii.html
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http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2015/02/covilha-frei-heitor-pinto-i.html

sábado, 13 de junho de 2015

Covilhã - Os Ventos do Liberalismo/Os Ventos do Miguelismo VIII


O século XIX é um período de grandes transformações políticas, económicas e sociais. As ideias liberais fervilham por todo o mundo, opondo-se ao absolutismo vigente.
 Encontrámos no espólio e nas publicações de Luiz Fernando Carvalho Dias alguns documentos que nos elucidam que na Covilhã também se viveram momentos revolucionários e contra-revolucionários. Houve muito descontentamento, reuniões secretas da maçonaria ou doutras associações (“sociedades denominadas patrioticas”), prisões, exílios, mortes, quer de miguelistas, quer de liberais constitucionalistas ou cartistas. Que miguelistas? Que liberais?

Os documentos que estamos a apresentar sobre a Covilhã acompanham a guerra civil que os portugueses viveram ao longo de várias décadas do século XIX: a Vilafrancada miguelista em Maio de 1823; a Abrilada em Abril de 1824, cuja derrota obriga D. Miguel a abandonar o país; a morte do rei D. João VI em Março de 1826 e o início da Regência da Infanta Isabel Maria; a Carta Constitucional outorgada por D. Pedro que se encontrava no Brasil, o 1º Imperador; a abdicação de D. Pedro em sua filha, Dona Maria da Glória, como Dona Maria II; o regresso de D. Miguel em 1828 e o país virado do avesso.
 Todas estas divergências e dúvidas parecem ficar esclarecidas quando D. Miguel, ao regressar de Viena em 1828, é aclamado Rei absoluto. Contudo há focos de oposição por todo o país, desde a Covilhã, passando por Aveiro, Faro, Porto e Coimbra. Aqui aconteceu um facto insólito e triste, quando uma comitiva foi a Lisboa em nome da Universidade saudar o rei D. Miguel e foi apanhada perto de Condeixa por um grupo de estudantes, os Divodignos, pertencentes a uma sociedade secreta de cariz liberal. Mataram e feriram a tiro aqueles miguelistas. O governo miguelista vai ser fortemente repressivo e persecutório, originando julgamentos, mortes e muita emigração de liberais para Inglaterra e Açores. Será pertinente fazermos referência ao que podemos chamar miguelismo, uma espécie de sebastianismo negro?
Oliveira Martins apresenta números da repressão miguelista: nas prisões 26270; deportados para África 1600; execuções 37; julgamentos por contumácia 5000; emigrados 13700. Segundo Vítor Sá foi considerada culpada à roda de 15% da população. Há ainda outros números: cerca de 80000 famílias, cujos bens foram confiscados.
A oposição liberal manifesta-se e centra-se no Porto, desde que D. Miguel é aclamado rei absoluto. Os absolutistas liquidam estes revoltosos que, no entanto, se vão conservar vivos, mas longe, no estrangeiro europeu e na Ilha Terceira (Açores). Para defender o trono de sua filha Dona Maria, vem ter com eles D. Pedro, o IV e o 1º Imperador do Brasil. Para combater os 80000 soldados miguelistas, consegue juntar mais de 7000 soldados que irão encontrar-se várias vezes numa triste guerra civil entre 1832 e 1834 que só termina com a Convenção de Évora Monte (1834). Enquanto uns combatem outros legislam: Mouzinho da Silveira lidera o primeiro Ministério liberal promulgando reformas económicas, sociais, fiscais, administrativas e judiciais.
1834 é o ano da derrota miguelista e do início da governação de D. Maria II, embora a estabilidade ainda esteja longe… Começaram as guerras entre liberais.
Mudanças entre governos constitucionalistas e cartistas contribuem para alguma instabilidade durante o governo da rainha Dona Maria II. Em 1846 vemos o país a incendiar-se, porque o governo cartista de Costa Cabral vai impôr medidas fiscais e a proibição dos enterramentos nas igrejas, que desagradam ao povo. Vive-se a Revolta da Maria da Fonte e a Patuleia.

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Capela de Santa Cruz ou do Calvário
Fotografia de Miguel Nuno Peixoto de Carvalho Dias

“Secretaria do Estado dos Negocios eclesiasticos e de justiça
                Repartição da Justiça

            Sendo presente a S. Mag. a Rainha o oficio de 11 deste mês, em que o juiz de Direito da Comarca da Covilhã participa como se reuniram em a noite do dia 9 no sitio de Santa Cruz mais de cinquenta individuos, todos munidos de armas de fogo e de machados, com o intento de desarmarem o pequeno destacamento que ali se acha, para depois mais a seu salvo poderem à viva força incendiar as novas fábricas de lanificios estabelecidas naquela Vila; e como descobrindo-se tal intento, se tomaram logo as providencias necessárias para o frustrar, não obstante os meios violentos que os amotinados chegaram a empregar; se conseguira prender o Chefe e um dos sócios que já foram removidos para a cadeia de Castelo Branco; e se prossegue com eficácia nas deligências necessarias a bem do processo formado por tão criminoso facto: Manda a mesma augusta senhora declarar ao referido juiz de Direito, para sua satisfação, que muito se compraz de saber que este feliz resultado se deve aos bem combinados esforços das autoridades judicial e Administrativa, como se reconhece naquele ofício, Esperando de seu zelo que hão-de continuar-se a empregar todos os meios possiveis para manter, como interessa ao paiz, a segurança publica; e se obter o pronto castigo dos réus que se mostrarem incursos na sanção das leis. Paço, em 18 de Abril de 1846. = José Bernardo da Silva Cabral. (1)

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Illº. e Exmº Sr. = Os abaixo assinados moradores na Vila da Covilhã, subditos leais de S. Mag.e Fidelíssima a senhora D. Maria II, e fieis defensores da Carta Constitucional, vendo com a maior indignação as desordens e motins populares, praticados em diferentes pontos deste reino pelos sectarios do usurpador, apressam-se em declarar a V. Exª., que posto que alguns dos signatários, em outras épocas se tenham manifestado em oposição a alguns actos de politica do governo nos devidos termos legais, agora só se empenham pela salvação publica, e pela defeza do trono da Rainha, e da Carta Constitucional, para o que poem à disposição da mesma Augusta Senhora, suas pessoas e fazenda, esperando que V. exª. se digne levar ao seu conhecimento, pelo ministério competente, esta expressão de seus leais sentimentos.
            Deus guarde a V. Exª.. Covilhã, 3 de Maio de 1846. Ilmº. e Ex.mº Senhor Governador Civil do distrito de Castelo Branco.
Filipe da Costa Freire do Amaral Botelho – José Caldeira Pinto Castelo Branco Braz Antonio Camolino – José de Amorim Vaz Pessoa – Bernardo de Almeida de Lemos – Por Antonio Gomes Correia, António Firmino da Silva Campos e Melo – Daniel Ferreira Dourado – O bacharel Cassiano Augusto Alves Amorim – Daniel Barreto Pereira Tavares – José Claudino da Silva Guimarães – Manuel Tavares da Cunha – João Lopes Toucinho – António Augusto Pereira Navarro – Simão Pereira Navarro de Andrade – José Mendes Veiga de Carvalho – Bento José de Sá – António Firmino da Silva Campos Melo – Luiz José Cardena (sic) – José Tavares Barreto – José Vaz da Cunha e Seixas – Manuel Vaz de Carvalho Pessoa d’Amorim – Prior Manuel Pires da Costa – Prior José Nunes Mouzaco – O Padre António Manuel de Figueiredo – O Padre Pedro António de Figueiredo – Francisco Camolino – Candido José Simplicio – José Mateus Catina – António Joaquim da Silva – Valério Gomes Correia – Simão Pereira de Carvalho – Francisco Garcia – José Mendes Veiga – Joaquim Alves de Souza – Marcelino José Ventura – Francisco Rodrigues Pinto – António Veiga de Carvalho.

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                                        14 de Maio de 1846

            “Senhora

            A Camara Municipal da Covilhã, acedendo gostosa aos rogos e instâncias dos cidadãos abaixo assinados, vai ser o interprete fiel dos seus sentimentos de adesão, amor, e respeito à Augusta Pessoa de V. Mag.e e à Carta Constitucional da Monarquia, nesta ocasião em que um bando de anarquistas sectários da usurpação, tem ousado levantar o grito de revolta em alguns pontos do Reino, ameaçando a segurança e estabilidade do Trono, e das instituições que nos regem, atacando a magestade das leis, o repouso e propriedades dos cidadãos e emfim tudo o que pode constituir a boa organização social.
            Nestes momentos críticos, nesta hora de perigo comum, a camara e todos os signatários que se gloriam do nome de portugueses, e de subditos fieis de V. Mag.e, pondo de parte quaesquer divergências , que possa haver, em suas opiniões e crenças acham-se reunidos e têm uma só vontade, a de sustentar e defender o trono de V. Mag.e, e a Lei fundamental, e debelar a anarquia, e todos os inimigos das instituições e do governo de V. Mag.e; para o conseguir, Senhora, oferecem respeitosamente a V. Mag.e seus serviços pessoais, suas fortunas, e tudo o que deles depende. Digne-se pois V. Mag.e aceitar benigna, a expressão de sentimentos tão puros, como expontâneos, assim como os ardentes votos que a Camara, e signatarios fazem pela preciosa vida de V. Mag.e, que o Céu conserve por dilatados anos. Covilhã, seis de Maio de 1846. E eu José Maria de Moura Barata Feyo que a escrevi e assinei. O Presidente, José Caldeira Pinto Castello Branco – O Vereador, António Pessoa d’Amorim – O Vereador, Joaquim Gomes Gomes Correia – O Vereador, António Baptista Leitão – O Vereador, Sebastião d’Elvas Leitão Montaes – O Vereador substituto, Francisco Camolino - O Vereador substituto, José Mendes Veiga de Carvalho – O Administrador interino do Concelho, Plácido António da Cunha e Abreu – O substituto de Administrador do Concelho, Fraqncisco de Almeida Freire Côrte Real – O Juiz de Direito da Comarca, João Nepomuceno de Carvalho e Silva – O Delegado do Procurador Regio, João Pinto de Tavares Osório Castelo Branco – Braz António Camolino, Tenente – Coronel, Governador de Monsanto – ManuelAntonio d’Oliveira Bastos, Capitão do nº 9 de Infantaria – Manuel José Portela, tenente comandante do Destacamento de Cavalaria 8 – José Duarte e Silva, tenente do nº 9 de Infantaria – Manuel Rodrigues de Pinho, tenete do Regimento 9 de Infantaria – prior de S. Martinho e Arcipreste, Manuel Pires da Costa – O Conego Antonio de Souza Tavares – O prior da Conceição, Gregório José Paes – O prior de Stª. Maria Maior, José Nunes Mouzaco – O Padre Francisco d’AssiS – O Padre José Antonio dos Reis – O Bacharel Joaquim José Pereira de Carvalho – José Maria da Silva Campos e Melo – Tomaz Teotonio de Souza Pimentel – profirio José Nogueira – Manuel Tavares Cardona Rodrigues de Carvalho, escrivão da Administração do Concelho – Honorato Emídio de Almeida Saraiva, escrivão da Administração do Concelho do Fundão – João Ferreira Tavares de Proença – António Gabriel Pessoa d’Amorim , Coronel reformado das extintas Milícias – António dos Santos Viegas – Bernardo de Almeida de Lemos, Procurador à Junta Geral do Distrito – Manoel Vaz de Carvalho de Amorim – António Joaquim da Silva – Daniel Barreto Pereira Tavares – Manoel Maria Barbas, bacharel formado na faculdade de filosofia e medicina – Antonio José Tavares – António Joaquim da Costa Quintela -, escrivão tabelião desta Camara – Cassiano Augusto Alves de Amorim, bacharel formado em direito – José Valério Paes – Francisco Nunes Torres, recebedor do concelho – Tomaz António Ribeiro, escrivão do Juizo de Direito desta Comarca – O Bacharel José Pereira Ramos de Carvalho – José Manuel Pereira de Carvalho, Comissário das Contribuições do Concelho – Januário Severino Gomes Feyo – António Nunes de Sousa – Júlio Antonio Saraiva Sampaio, escrivão e tabelião do juizo de Direito da Comarca – Fernando António de Castro, escrivão de direito – Luiz José Cardona – José de Amorim Vaz Pessoa – José Mendes Veiga – Rafael Mendes Veiga – Francisco Garcia – José Claudino da Silva Guimarães – Francisco António de Amaral – José Mateus Catina – Daniel Pereira da Silva Amorim – João António de Oliveira – Manuel Rodrigues Antunes – Francisco da Fonseca Corsino – Joaquim António Henrique da Silva – Valério Gomes Correia – Bento José de Sá – Severiano Augusto Pereira de Carvalho – José Paulo Nogueira, correio assistente – José Bernardo Roque – António da Costa e Oliveira – Francisco Bernardo Roque – José mendes da Graça – José da Costa Rato – O bacharel Luiz José de Almeida Saraiva – Bernardo Tavares – José dos Santos Pinto – Manuel Honório Camolino – António José de Almeida Saraiva e Brito – Francisco de Oliveira Grainha – António de Almeida fortuna – José Maria de moura Barata Feyo.

Está conforme – Secretaria da Camara Municipal da Covilhã 7 de Maio de 1846., José Maria de Moura Barata Feyo.  (2)

Fontes - 1) Diário do Governo nº 92, fls 443 Ano 1846
2) Diário do Governo nº 112, fls 536 e 537

As publicações do Blogue:
Publicações no blogue sobre este assunto:
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2015/04/covilha-os-ventos-do-liberalismoos.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2015/03/covilha-os-ventos-do-liberalismoos.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2015/01/covilha-os-ventos-do-liberalismoos.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/12/covilha-os-ventos-do-liberalismoos.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/10/covilha-os-ventos-do-liberalismoos_26.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/09/covilha-os-ventos-do-liberalismoos.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/07/covilha-os-ventos-do-liberalismoos.html 

sábado, 6 de junho de 2015

Covilhã - Os Forais XXIII

Continuamos a publicar documentos do século XIX relacionados com a reforma dos Forais. Luiz Fernando Carvalho Dias deixou-nos vários estudos e algumas reflexões sobre o assunto.

 […] “A carta régia que em 1810 abriu caminho aos estudos da Reforma dos Forais começou a ser executada em 1812 e da Comissão faziam parte João António Salter, que presidia, Trigoso e mais dois canonistas, um dos quais João Pedro Ribeiro.
Informa Trigoso que a carta régia de inspiração de D. Rodrigo de Sousa Coutinho “não tinha outro fim mais que paliar a funesta impressão que haviam de fazer” os tratados com a Inglaterra, tão prejudiciais à nossa indústria, que o mesmo Ministro assinara então. Destinava-se ainda a procurar o meio de “fixar os dízimos, minorar ou alterar o sistema das jugadas, quartos e terços, fazer resgatáveis os foros e minorar ou suprimir os foraes” […]

     O liberalismo é um momento importante no sentido desta mudança, pois, como dizia Melo Freire substituir os forais era tão urgente como o Código Político. No entanto as opiniões divergiam, embora haja passos importantes que não podem ser esquecidos:
- Já do Rio de Janeiro, numa Carta Régia de 1810 dirigida ao clero, nobreza e povo fora ordenado aos governadores do Reino que tratassem dos meios “com que poderão minorar-se ou suprimir-se os forais, que são em algumas partes do Reino de um peso intolerável”.
- Em 1811, a Mesa do Desembargo do Paço expede ordens para que os corregedores das comarcas averiguem esse peso dos forais.
Em 17 de Outubro de 1812 a Regência cria a Comissão para Exame dos Forais e Melhoramentos da Agricultura.
- Em 1815, D. João volta a querer que se investigue sobre “os inconvenientes que da antiga legislação dos forais provinham ao bem e aumento da agricultura”.
- É já nas Cortes Constituintes, em 1822, que é promulgada a chamada “redução dos forais”.
- A contra-revolução miguelista, em 1824, revoga as anteriores medidas.
- Marco essencial é a reforma de Mouzinho da Silveira (1832) em que desaparecem os foros, censos, rações e toda a qualidade de prestações sobre bens nacionais ou provenientes da coroa, impostos por foral ou contrato enfitêutico. Na verdade o governo de D. Pedro pretendia fazer uma revolução da agricultura e social que atingisse a nobreza, o clero, os municípios, os desembargadores, os donatários, tomando medidas como: extinção dos morgadios e vínculos que não ultrapassassem os 200000 réis de rendimento líquido anual; supressão das sisas sobre transacções; extinção dos dízimos; nacionalização dos bens da Coroa e sua venda em hasta pública.
- A reforma continua pelo século XIX.

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A Ceifa, de Silva Porto

Senhor

Foi apresentada nesta comissão uma extensa Memoria assignada pelo advogado Antonio Maximo Lopes a qual trata de varios objectos pertencentes ao melhoramento da Agricultura.
O autor estabelece logo em principio que não há Reino algum em toda a Europa onde o estado da agricultura seja mais florente que na Inglaterra; e que por isso se deve apropriar para Portugal, emquanto for possivel, o sistema rural da Grã Bretanha, como o que se tem feito tudo.
Depois disto expõe as principais causas da prosperidade da agricultura inglesa na mesma ordem em que as expôs Artur Young no principio da primeira parte da Arithmetica Politica; e trata de cada uma delas separadamente, fazendo em cada artigo as aplicações necessarias ao estado da agricultura portugueza.
É evidente que uma nação que quizer elevar a agricultura a um estado de prosperidade e adoptar para isto o sistema de economia rural e politica que se observa na Inglaterra deve primeiramente cuidar em remover os obstaculos que se podem opor ao estabelecimento deste sistema. Por isso, o autor da memoria examina primeiramente quaes sejam esses obstaculos e depois porque modo se podem ou modificar ou absolutamente tirar.
Em quanto à primeira parte é certo que ele aponta não todos mas os principais e os mais obvios que impedem o melhoramento da nossa agricultura. Talvez que todos os outros que ainda restam se possam reduzir aos mesmos artigos geraes; talvez julgasse seria uma cousa muito dificil abranger tão vasta materia numa unica memoria; e isto desculpa as omissões que nela se acham e que a Comissão escusa de suprir agora; por isso que o seu trabalho tem sido e continuará a ser a de considerar separadamente cada um dos obstaculos que o Autor considerou e os outros que ele omitiu.
Em quanto à segunda parte pode-se dizer em geral que os arbitrios propostos são muito sensatos e dignos de serem tomados em consideração antes de se intentar tão util reforma: ainda que a brevidade que seguiu o Autor não lhe permitiu fazer todas as aplicações necessarias de cada um destes arbitrios ao sistema e forma geral da nossa Legislação; o que parece conveniente para se proceder legalmente à dita reforma.
Assim naquelas materias que a Comissão já tem tratado, julga esta inutil tornar a dar o seu parecer porque lhe parece que elas estão mais extensamente desenvolvidas nas suas propostas do que na presente memoria, e naquelas que ainda deve tratar irá pouco a pouco e separadamente submetendo à consideração de V.A.R. a sua opinião fazendo-se cargo especialmente dos arbitrios propostos, umas vezes para os seguir, outras vezes para apontar outros que mereçam adoptar-se com preferencia e sempre ou quasi sempre para os aplicar e reduzir, segundo o metodo que tem seguido, ao estado da nossa Legislação geral e para remover os inconvenientes que podem dificultar a sua adopção.
 Pois que não se trata de destruir duma vez todo o nosso sistema legal e politico para edificar outro de novo; o que não poderia, principalmente nos tempos actuais, ser conforme às intenções de V.A.R., ou ao menos não se pode mostrar que o seja.
Eis aqui o juizo que a Comissão fez àcerca da referida memoria que sobe à presença de V.A.R. e para que à vista dela se conheçam brevemente as cousas que o Autor tratou e destas quais foram já consideradas pela Comissão quaes serão ainda consideradas para o futuro; pareceu ajuntar a seguinte noticia das cousas importantes que se acham em cada um dos artigos da Memoria.

Da Liberdade

Nesta artigo trata-se da extinção de certos privilegios, leis ou costumes que tolhem a liberdade dos agricultores; taes são 1º os direitos banais; 2º os Relegos; 3º a repartição de homens de trabalho, feita pelos juizes das terras a favor de alguns particulares; 4º a policia das guias; 5º os rendeiros e olheiros postos pelas camaras. 6º coudelarias.
Do primeiro objecto já a Comissão tratou na sua proposta de 18 de Novembro do ano passado, os outros serão tomados em consideração em lugar oportuno.

Da formalidade da imposição

O autor reputando que o produto das sisas e o subsidio Militar da Decima formam a massa grossa das imposições fiscais pelo que respeita aos predios rusticos e não julgando necessaria outra alguma cousa à cerca da decima que o cumprimento das Instruções e Providencias de 18 de Outubro de 1762; passa a inculcar a necessidade de se extinguirem as rendas correntes.
A Comissão falará tambem separadamente deste ultimo objecto, e omitirá o que diz respeito ao primeiro; pois que seria agora inutil propor qualquer alivio dos povos no lançamento e arrecadação desta imposição quando as necessidades extraordinarias da guerra a tem feito duplicar, e as ordens de V.A.R. a mandam exigir de modo que seja justa igual e produtiva.
Contudo a Comissão não pode deixar de inculcar a Sabedora com que foi concebido o § 8º da Portaria de 15 de Junho de 1812, o qual determina que os lançamentos dos produtos rusticos em todo o Reino se façam de 4 em 4 anos, por este modo são os cultivadores beneficiados, por isso que em tal periodo de tempo podem aumentar, e aperfeiçoar a sua cultura, sem que os seus esforços produzam imediatamente um efeito muito capaz de os destruir e sufocar; e a Fazenda Real não perdendo entretanto cousa alguma, vem a receber depois um aumento proprcional ao acrescimo da fortuna dos particulares.
Entretanto julga a Comissão que aquele periodo é ainda muito limitado, e talvez pouco suficiente para animar os proprietarios a novas e importantes especulações, de maneira que o favor da Agricultura a que não repugna o interesse da Real Fazenda parecia pedir que os novos lançamentos da Decima se fizessem depois de um periodo mais extenso, e pelo menos dobrado.

Dos longos arrendamentos

Neste artigo expõe o Autor em poucas palavras o que diz Young a favor dos longos arrendamentos. Esta materia tão importante, será tratada pela Comissão segundo os mesmos principios e aplicada à legislação que regula entre nós estes contratos.

Da Composição dos Dizimos

Debaixo deste titulo trata-se com bastante extensão do gravame que resulta à agricultura das jugadas, quartos, terços e outros encargos a que as terras estão sujeitas e propõe-se o arbitrio de composição e redução por uma avença perpetua à semelhança do que já se concedeu aos proprietarios do Reguengo da Arruda.
Este objecto é tão importante e o arbitrio do autor tão judicioso que apesar de ser substancialmente o mesmo já expendido no discurso do advogado Manuel d’Almeida e Sousa, que subiu à presença de V.A.R. em propsta de 9 de Dezembro do ano passado; a Comissão espera ainda tomá-la novamente em consideração afim de ocorrer a qualquer duvida que se possa opor à execução do mesmo arbitrio.
Diverso conceito faz a Comissão do que diz o autor da Memoria àcerca dos Dizimos, aos quaes aplica o arbitrio de avença perpetua paga em genero, que tinha proposto para as jugadas. Este Tributo pago aos Ministros da Igreja que hoje tambem se deve reputar tributo civil, admite diversa forma de melhoramento, e essa mais util e de maior beneficio para a agricultura.

Da isenção do serviço pessoal

O autor da Memoria considera este serviço relativamente ao recrutamento para milicias, e aos embargos de carros e gados para os transportes; e sobre este objecto delibera actualmente a Comissão expôr a V.A.R. o seu parecer. Porem há outras qualidades de serviço pessoal de que o A. poderia tratar porque delas tambem e principalmente trata Young na sua obra e porque delas recebe grande gravame a nossa agricultura. Tal é o serviço pessoal que os Lavradores são obrigados a prestar a certos senhorios do qual já a Comissão tratou na Proposta de 18 de Novembro do ano passado; tal é o serviço a que os povos são obrigados pelas camaras para o concerto dos caminhos e outras obras publicas, o qual facilmente se poderia escusar ou diminuir, uma vez que fossem feitos debaixo de um plano mais bem dirigido estas obras, cuja utilidade para a aggricultura a comissão acaba de ponderar na proposta de 10 do corrente mez. Em geral pode-se dizer, e esta é a opinião de Young, que o valor destes e outros encargos publicos que pesam sobre os cultivadores, sendo avaliados em dinheiro por composição ou avença, não subiria à milesima parte do que eles custam anualmente.

Das leis respectivas ao comercio dos grãos

A franqueza do comercio dos grãos como absolutamente necessaria para o melhoramento da nossa agricultura, forma objecto deste artigo. A Comissão tendo já ponderado propostas de 10 do corrente mez que as restrições que as nossas leis puseram a este comercio são sumamente prejudiciais, reserva para outra ocasião tratar extensamente este assunto.
Emquanto à aplicação que o Autor da Memoria faz ao estabelecimento e administração actual do Terreiro Publico de Lisboa, não duvida a Comissão tratar este ponto em teoria e relativamente à nossa agricultura, abstendo-se porem de examinar os vicios que se podem ter introdusido nesta repartição contra o espirito ou letra das nossas leis pois que nem esses vicios estão ao seu alcance nem a ela pertence emendá-los.

Da pobreza nacional

De todos os obstaculos da cultivação (escreve o autor da memoria) nenhum é tão dificultoso de remover como o que resulta da pobreza da classe cultivadora! ele representa os Lavradores cobertos de trapos como outros tantos mendigos; lisongea-se depois que a extinção dos direitos proibitivos e a de todos os outros obstáculos que deixa apontados, restituirá àquela classe de homens o estado de abundancia de que deve gosar e ultimamente conclue que há entre nós riqueza nacional e que há outras classes de pessoas que podem vantajosamente empregar os seus capitaes na cultura das terras.
Neste artigo não se acha cousa alguma de que a Comissão se deva incumbir de tratar; pois que é evidente que a pobreza e a infelicidade da classe cultivadora é um efeito e resultado dos encargos que ela sofre e das contrariedades que experimenta; cessando as quais a Agricultura deve florescer até certo ponto; é tambem evidente que há entre nós grandes capitalistas que podiam aplicar seus cabedaes mais do que alguns até agora teem feito no progresso da cultura: mas não é igualmente liquido que o nosso Reino tenha actualmente uma riqueza que se possa chamar nacional; nem é facil uma vez que ele a não tenha fazer com que rapidamente a adquira. Young que trata esta materia, não só como escritor agronomo mas como filosofo politico, considera a riqueza nacional debaixo dum ponto de vista bem diferente quando assevera que a falta dela é o obstaculo mais dificil de remover, entre todos os que retardam o progresso da Agricultura pois que é preciso animar ao mesmo tempo e duma maneira uniforme e constante a agricultura e todos os ramos da industria e do comercio, o que exige muito trabalho e tempo. Assim Young considera estas cousas como ligadas entre si e da sua união faz depender a prosperidade e por consequencia a riqueza nacional a qual faz que o cultivador possa vender vantajosamente as produções da terra e forme a base dum comercio sempre activo.
Por estes principios pode-se tambem julgar que uma nação que queira hoje alevantar-se a um estado de prosperidade que a faça figurar entre as Nações Europeas, cometerá um igual erro ou queira empregar-se no comercio despresando inteiramente a sua agricultura e sacrificando-se às manufacturas, ou entregando-se inteiramente a esta (sic) limitando-se apenas a tirar da terra os escassos meios de subsistencia. Oxalá que debaixo deste ponto de vista se pudesse dizer: portugal é rico!

Dos tapados

Facilitar os tapados e extinguir os pastos comuns eis aqui duas cousas que se inculcam neste artigo; das quaes já a comissão tratou com bastante extensão nas suas propostas de 16 de Dezembro do ano passado.
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Do grande consumo de Carnes

Neste ultimo artigo demora-se o autor da memoria a examinar os inconvenientes da lei de 20 de Junho de 1774 na parte em que quiz subordinar as creações de gados às sementeiras, e tambem a inconsideração com que foram expedidas as ordens da Intendencia que proibião matarem-se rezes pequenas: e conclue que a beneficio da Agricultura se deve promover a abundancia do gado e o grande consumo das carnes por providencias inteiramente opostas; e sobretudo permitindo-se que o Senhor do terreno o possa ocupar naquilo que lhe parecer mais util.
A Comissão examinará devagar as cousas que se contem no presente artigo, respectivas à creação dos gados, tomando por base de duas propostas à referida lei de 1774 e as Ordens da Intendencia.
No fim da Memoria trata-se mui brevemente do favor que se deve conceder à cultura dos terrenos baldios, à lavra das batatas e à plantação de arvores; e a este respeito nada tem a Comissão que ponderar pois que nas suas propostas de 16 de Dezembro do ano passado já tratou da cultura dos Baldios e especialmente daqueles que ficam proximos das povoações ou contiguos a outros casais já existentes; e desde então teve em vista expor em diversa proposta as diversas e mais amplas providencias que exige a cultura das extensas charnecas de que abunda o nosso Reino. E emquanto à plantação dos arvoredos ela foi o objecto da proposta de 10 de Fevereiro deste ano.

Lisboa 17 de Março de 1813.

Fonte - BNP Reservados

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