domingo, 6 de julho de 2014

Covilhã - Contributos para a sua História dos Lanifícios XLI

     Considerando que esta valiosa obra de Luiz Fernando Carvalho Dias se encontra esgotada, e embora seja de 1954, estamos a publicá-la por capítulos no nosso blogue. Pensamos ser importante para o estudo da implantação das manufacturas em Portugal.
     Se quisermos contextualizar o tema diremos que governava D. Pedro, cujo vedor da fazenda era o Conde da Ericeira. Economicamente Portugal vivia uma grave crise comercial que o mercantilismo/proteccionismo, muito em uso no século XVII europeu e também em Portugal, no 4º quartel do século, vai procurar resolver. Duarte Ribeiro de Macedo, embaixador de Portugal em Paris, influenciado pelas ideias do ministro francês Colbert, escreveu em 1675 a obra “Sobre a Introdução das Artes no Reyno” e o Conde da Ericeira vai publicar legislação proteccionista muito importante, que também atinge a Covilhã.

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LUIZ FERNANDO DE CARVALHO DIAS






O S  L A N I F Í C I O S

NA  POLÍTICA  ECONÓMICA

DO   CONDE   DA   ERICEIRA



I








LISBOA   MCMLIV

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VI

EM VÉSPERAS DE METHUEN
(Continuação)

A politica económica do Conde da Ericeira não estacionou pois com a sua morte, como testemunham as novas pragmáticas e o Re­gimento de 1690. Também o fomento fabril prosseguiu, registando outras realizações industriais: a fábrica de Alhandra e possivelmente a de Portalegre. Inferimos a notícia desta última fábrica do Auto de Fé da Inquisição de Évora, de 22 de Março de 1705, onde saiu um Tomé da Silva Nunes, cristão novo, de 37 anos, natural do Fundão e morador naquela cidade, com a profissão de contratador de panos. Ora esta profissão deixa perceber a existência dum contrato de pre­vilégio nessa cidade, idêntico aos contratos da Covilhã. (17).
Em Estremoz, a liberdade de fabrico parece manter-se em toda a extensão, pois no mesmo auto surge um Diogo Moreno Franco, natural de Lisboa e morador nessa vila, com a indicação de que fazia panos. (18).
A situação das outras terras do país, consagradas à indústria de lanifícios, devia equiparar-se à de Estremoz.
A fábrica de Alhandra, denominada fábrica dos panos finos, foi concedida ao covilhanense Álvaro Henriques Ferreira e a seus irmãos, um dos quais, chamado Diogo, se formara em medicina, na Univer­sidade de Coimbra, e exercia a profissão, em Sesimbra. (19).  (Ler abaixo os processos na Inquisição)
O periodo de concessão, por dez anos, principiara em 1698. Já anteriormente requerida para a Covilhã esta fábrica não conseguira vingar pois Jorge Fróis, um dos contratadores das baetas e sarjas, conseguira tropedíá-la no Conselho da Fazenda. Pouco tempo, porém, se quedaram em Alhandra os concessionários por não oferecer a terra, as condições indispensáveis; tranferiram-se para o Fundão onde prosseguia a instalação, em Fevereiro de 1700. Como lhes ocor­ressem aí prejuízos, conseguiram mudá-la para a Covilhã, em 1702.
Nem Alhandra, nem o Fundão reuniam, nesses tempos, as condi­ções necessárias a uma fábrica de lanifícios, muito embora o comér­cio e o fabrico dos panos fossem tradicionais neste lugar. O grande óbice ao florescimento da actividade industrial devia derivar da falta de pessoal adestrado para a fiação manual.
Álvaro Henriques Ferreira antes de tentar a instalação da fábrica de Alhandra, fizera panos na Covilhã: conhecia bem o meio, as gentes, as possibilidades de vencer e os perigos de naufragar. Mas não hesitou. Embora assediado de contrariedades, recorreu ao Rei e deste modo desbancou as grandes influências de Fróis que, pelo rol das testemunhas do processo inquisitorial, se adivinha serem da roda do Secretário de Estado Mendo de Foyos Pereira e do Dezem­bargador Gonçalo da Cunha Vilas Boas.
Os panos finos não eram como as baetas e sarjas, tipos de fazenda que dependessem exclusivamente duma técnica especiali­zada de mestres estrangeiros e, para frutificar, exigissem as moletas dum privilégio! Fabricados há muito na Covilhã, com maior ou me­nor perfeição, consoante o estilo dos tempos e a honestidade dos trapeíros, a técnica dos mestres ingleses já contribuíra indirecta­mente e duma forma geral para o seu aperfeiçoamento. Avalia-se, por isso, quanto os fabricantes reagiram perante a sombra dum novo e negregado exclusivo!
Os irmãos Henriques Ferreira não se aperceberam da tempes­tade que ainda os poderia arrebatar, embora contassem com a boa vontade do Rei; outras tempestades, menos vorazes, engoliram servi­dores dedicados da Coroa, como o cristão-novo Vila Real, doutri­nário da Restauração, sem que fosse possivel libertá-los da fogueira. Mostrava-se esta mais temerosa por envolver os interesses de toda uma população livre e bolir no comércio dos seus próprios correli­gionários da Sinagoga. Ora a heresia estava, pouco mais ou me­nos, latente no coração de todos os cristãos-novos. Era fácil, portanto, embora por motivos muito diferentes, acorrentá-los até à beira da Inquisição. Daí ao alastrar do incêndio ía pouco.
Instalada a fábrica dos panos na Covilhã, logo no princípio de Fevereiro de 1702, o sócio Diogo Henriques teve de se deslocar a Lis­boa e aí permanecer todo o mês de Março, a fim de combater as no­vas manobras de Jorge Fróis, no Conselho da Fazenda. Este velho mercador conseguira levantar outros entraves ao prosseguimento do exclusivo do fabrico dos panos finos na Covilhã. Devia tratar-se não já da anterior arremetida, no sentido de canalizar para a família igual privilégio, que pretendera para o seu genro, o cristão-novo Simão de Carvalho, mas de prejudicar pura e simplesmente o exclu­sivo dos Ferreiras, no sentido de vir a ser alargado a todos os mer­cadores da Vila.
Álvaro e seus irmãos, apenas deferida a transferência do Fundão para a Covilhã, trataram de defender com unhas e dentes o seu con­trato, usando da força, da manha e da justiça. Não recuaram perante o uso da violência nem cederam a laços de família.
Um cunhado e primo do primeiro, também chamado Diogo (como Henriques Ferreira, o médíco) por ter abandonado a sociedade, em 1701, foi tentado a fabricar panos finos do tipo privilegiado, junta­mente com outros membros da sua família. Se bem o pensou, melhor o fez, o que provocou desavenças graves, a ponto de uns e outros che­garem a puxar das espadas. (20).  
Os contratadores não se detiveram e requereram o sequestro de toda a lã, cardas, prensas e mais apetrechos fabris dos transgres­sores, prosseguindo a demanda dos auditórios da Vila para o Con­selho da Fazenda, onde ficou deserta por desistência dos réus.
Igual atitude tomaram os Henriques Ferreira contra outros mercadores e trapeíros da Vila, como Simão Nunes Rios, André Nunes e Cristóvão Nunes Belmonte aos quais promoveram também o sequestro de máquinas inglesas, cardas de ferro e outros apetrechos de igual proveniência. Aos sequestros presidiu o Juiz de Fora e novo Conservador das fábricas João de Proença da Silva, com o Mei­rinho e o Escrivão das mesmas, respectivamente Domingos Vaz e Sebastião Leitão da Cunha. João de Proença tinha sido encarregado de organizar a fábrica dos panos na Covilhã, como vinte anos antes acontecera a Vilas Boas com a fábrica das baetas. (21)

Parece deduzir-se dos sequestros que, além dos panos, o privilégio dos Ferreiras se alargava aos maquinismos e a outros utensílios novos.
Álvaro Ferreira, com o trato dos panos e seu fabrico, mercade­java lãs em Castela, aonde demorava alguns meses do ano. Mas, em vez de, à semelhança dos outros mercadores, pagar as sizas na Vila aos contratadores das correntes dessa mercadoria, Manuel Mendes Pereira de Leão, Simão Lopes, João e Manuel Rodrigues, alfandegava as lãs em Penamacor e noutros portos secos da raia. Também cristãos novos, a transbordar de influência no comércio local, os contrata­dores da síza das correntes da lã, não se conformaram. Pendenciaram com Álvaro Ferreira na praça da Vila e depois de sustentarem três rijas demandas, nos auditórios Covilhanenses, recorreram ao Juízo da Fazenda.
Causaram na Vila descontentamento estes actos de violência, sem curar já do prejuízo, derivado do privilégio. Juntaram-se, por isso, paneiros e tratantes, em casa de Manuel da Silva Fragoso, ho­mem nobre, tabelião de notas, feitor e selador da síza dos panos, e de­liberaram enviar a Lisboa uma deputação, constituída por um verea­dor, pelo procurador do concelho, pelo Juiz do povo e por outras pessoas, com o fim de requererem ao Rei o alargamento do privi­légio da fabricação dos panos finos a todos os paneiros, o que equi­valia a requerer a sua extinção. Entre os deputados figurava o fidalgo Manuel Pereira de Brito, que vivia da sua arte de pintar, na freguesia de S. Vicente da Covilhã, embora natural da vila de Sinde, do Bis­pado de Coimbra. Mas o grande promotor da embaixada era o já conhecido Cristóvão Nunes Belmonte. Para a reclamação concorre­ram todos os mercadores da Vila, tanto cristãos velhos como novos, com 200.000 réís, sem qualquer outro interesse mais do que a defesa comum, isto pelo menos aparentemente. Entre os membros da Junta contava-se o familiar do Santo Ofício João Feio, meirinho do ecle­siástico da Vila, também paneiro, amigo de Álvaro Henriques Fer­reíra e depois sua testemunha de defesa, no processo inquisitorial.
A Câmara associou-se à representação, apoiando os defensores do trato livre, sob a sua superintendência. Igual orientação fora seguida a quando dos motins das sarjas e baetas.
Porém desta agitação nada resultou e os Ferreiras continuaram descansadamente a locupletar-se à sombra do exclusivo, esquecendo que seus irmãos de raça ainda guardavam nas mãos o trunfo do ódio e não recuariam mesmo perante o recurso à denúncia, no negre­gado Tribunal da Santa Inquísíção.
Deste recurso vil é que se não lembraram, com certeza, os cristãos velhos da Vila que, ao depois, apareceram nos processos a de­fendê-los!
A fábríca dos panos finos, como inicialmente a fábrica das bae­tas e sarjas, constituía um privilégio de fabrico de certo tipo de panos e, como já acima acentuámos, além do exclusivo de certa técnica parece que também o de certas máquinas.
Ao contrário do que aconteceu com as baetas e sarjas, este príví­légío não deve ter levado à constituição daquilo que chamamos uma empresa fabril, com estabelecimento próprio, visto a fiação se dístríbuír de empreitada pelas fiandeiras mais pobres da Vila e ainda a tinturaria das lãs e panos competir a Francisco Henriques Ferreira, irmão dos contratadores e dono dum engenho independente dessa especialidade.
Utilizavam, pois, os detentores deste exclusivo as oficinas dis­persas da Vila, excepto quando o exclusivo da maquinaria obrigava a utilizar oficina própria.
Portanto fora do âmbito das sarjas, das baetas e dos panos finos, o trato livre não só persistia como não afrouxara. Não admira, pois, que, no sequestro dos bens de Álvaro Ferreira, quando veio a ser preso pelos familiares da Inquisição, figurassem os panos de vários mercadores que ele apresentava na alfândega de Lisboa.
Os panos da Covilhã concorriam então ao mercado ultramarino. O mesmo mercador despachava-os, através do comissário e homem de negócio da rua de S. Nicolau de Lisboa, Rodrigo de Sande e Vas­concelos, para o Brasil, destinados ao irmão Manuel Lopes Henriques, proprietário dum engenho de açúcar, na cidade da Baía.
Em dois de Fevereiro de 1704 declarou Álvaro Henriques Ferreira ter armazenadas na alfândega de Lisboa, por falta de compradores, 111 peças de pano de várias qualidades. Meses depois, acrescentava que a sua fábrica diminuíra de produção por não terem saída 118 peças de pano e se temer, no mercado, a entrada de panos estran­geiros.
Em conclusão: as pragmáticas tornaram-se efectivas e ao ser executado o tratado de Methuen, o mercado encontrava-se prática­mente saturado.
Que admira pois, que, anos volvidos, o Marquês de Pombal viesse a escrever da política económica do Conde da Ericeira que ela tinha levado o país a dispensar totalmente os panos estrangeiros e à satu­ração do mercado nacional e recordasse, aos portugueses, aquele juízo dos parlamentares de Londres como D. Luiz de Menezes fora um grande ministro para Portugal, mas um péssimo ministro para a Inglaterra. (22)
(Continua)

NOTAS DO CAPÍTULO VI
(2ª Parte)

17- ANTóNIO JOAQUIM MOREIRA - Listas dos Autos de Fé da Inquisição de Évora - B. N. de Lisboa - Secção de Res. F.g. ms. Vid. Auto cít.º.
18 -ID. - Auto cít.º.
19 - ARQ. N. DA TORRE DO TOMBO - Inquisição de Lisboa - Procs. n.ºs 902, 3689 e 5334. - Vid. Docs. n.ºs 9, 10 e 11.  (Aqui apresentados)

11

20 - ID.Id.
21 - Vid. n.º 6.
22 - LUIZ TEIXEIRA DE SAMPAIO - Ob.ª cit.ª pags. 24 e 25. 

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As Publicações do Blogue:
Estatística baseada na lista dos sentenciados na Inquisição publicada neste blogue:
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As publicações sobre os Contributos para a História dos Lanifícios:
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