domingo, 27 de abril de 2014

Covilhã - Contributos para a sua História dos Lanifícios XXXV

    Considerando que esta valiosa obra de Luiz Fernando Carvalho Dias se encontra esgotada, e embora seja de 1954, estamos a publicá-la por capítulos no nosso blogue. Pensamos ser importante para o estudo da implantação das manufacturas em Portugal.
     Se quisermos contextualizar o tema diremos que governava D. Pedro, cujo vedor da fazenda era o Conde da Ericeira. Economicamente Portugal vivia uma grave crise comercial que o mercantilismo /proteccionismo, muito em uso no século XVII europeu e também em Portugal, no 4º quartel do século, vai procurar resolver. Duarte Ribeiro de Macedo, embaixador de Portugal em Paris, influenciado pelas ideias do ministro francês Colbert, escreveu em 1675 a obra “Sobre a Introdução das Artes no Reyno” e o Conde da Ericeira vai publicar legislação proteccionista muito importante, que também atinge a Covilhã.

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LUIZ FERNANDO DE CARVALHO DIAS






O S  L A N I F Í C I O S

NA  POLÍTICA  ECONÓMICA

DO   CONDE   DA   ERICEIRA



I








LISBOA   MCMLIV


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IV

Gonçalo da Cunha Vilas Boas, Conservador da Fábrica
e Cronista da Reforma
(Continuação)

              Quem seria ele? (Um novo concorrente ao lugar que Vilas Boas ambicionava)
Diz-nos ser natural da Covilhã, que aspirava ao lugar e que tra­vara lutas com ele, por desejar ser eleito para procurador às Cortes e que além disso capitaneara o bando dos mercadores descontentes contra o exclusivo das baetas. Esconde-lhe o nome, mas revela que fora provedor doutra Comarca e vivia na Covilhã.
Nesta época quatro magistrados, pelo menos, se podiam visar: o Dr. Manuel Monteiro de Sande, o licenciado Manuel Delgado Feio, Miguel de Siqueira Castelo Branco e o bacharel Estêvão Correía Xara.
O primeiro além do Juiz de Fora dos Órfãos da Covilhã (10), e corregedor da' Comarca de Castelo Branco (11), transitara já, em 1673, para corregedor da Comarca da cidade do Porto (12). Não era natural que preferisse a Provedoria da Guarda, embora em 1681 vi­vesse na Covilhã onde lhe nasceu o filho Silvestre, baptizado por seu cunhado Frei Diogo Teles (13). Este cunhado poderia ser o frade alvejado por Vilas Boas, se não fossem as circunstâncias que parecem inibi-lo.
O Licenciado Manuel Delgado Feio tinha um irmão sacerdo­te (14), o Padre António Delgado Feio, Prior de Terena (15) e depois do Tortozendo (16). Advogou na Covilhã e serviu de testemunha no auto de entrega do Castelo a Francisco Botelho da Guerra, quando o Alcaide Mor Afonso Furtado de Mendonça se dirigiu para a fron­teira, em 13 de Abril de 1642 (17); leu no Desembargo do Paço (18) e foi Juiz de Fora de Faro (19), donde transitou para a Provedoria das Obras, Órfãos, Capelas e Hospitais de Setúbal, em 1661 (20).
Miguel de Siqueira Castelo Branco (21) iniciara a sua vida de magistrado em 1679 (22).
Estevão Correia Xara, (23) Juiz de Fora do Porto, (24), Provedor das Obras de Viana do Castelo, (25), foi transferido, em 1674, para a Corregedoria de Lamego (26).
De todos os mencionados é este que oferece maiores probabilida­des de identificação como opositor de Vilas Boas, tanto mais que Manuel Delgado Feio, casado em Coimbra, (27) se desligara pratica­mente da Covilhã. A identificação, como problemática, não passa de simples presunção, susceptível de ser alterada por novas pesquisas.
O frade conseguiu fazer chegar às mãos do Príncipe um memo­rial contendo graves acusações pessoais e profissionais para Vilas Boas; nele se assinalava a ineficácia da residência, visto o sindicado estar proposto para Provedor da Guarda, circunstância de molde a criar receios e a intimidar possíveis ofendidos. 
O príncipe ouviu a queixa como lhe cabia e chamou o frade a palácio, abonando-se ele na opínião dum magistrado que Sua Alteza poderia ouvir.
Entretanto o Conde da Ericeira era posto ao corrente da intriga, ao mesmo tempo que a Relação do Porto, adiantando-se a qualquer procedimento da justiça régia, mandava abrir nova residência; ouvem-se nela cerca de 100 testemunhas, como já acontecera na primeira, mas outra vez a honra de Vilas Boas sai ilibada, porque o Desembargo do Paço, apesar do depoimento desfavorável de nove testemunhas, volta a reconhecer-lhe boa folha de serviços.
Quando corria na Covilhã a segunda residência, aparatosa resi­dência tirada por um desembargador, assistido de meirinho, escrivão e dez homens de guarda, Vilas Boas dirigiu-se ao Paço e pediu ao Príncipe para recolher ao Limoeiro, visto não fazer sentido tamanha devassa na Covilhã com o sindicado em Lisboa a gozar as delícias de Cápua!...
D. Pedro não lhe deferiu o pedido nem chamou a Relação do Porto a contas, mas o certo é que Vilas Boas, embora ilibado, não seguiu para Provedor da Comarca da Guarda. Mantém-no, con­tudo o Príncipe, em situação privilegiada, durante alguns anos, adstrito à Vedoria da Fazenda como Conservador das fábricas do Reino, arbitrando-lhe, por decreto de 2 de Junho de 1685, a mercê do ordenado anual de 200$000, que lhe seriam pagos nos Armazéns Reais e Casa dos Cinco de Lisboa (28).
Em 1687 manda-o despachar como Ouvidor do Juizo da Alfândega da Capital, «com a obrigação de assistir no que pertencer às fábricas, estando à ordem do Conde da Ericeira a cuja está ao que a elle toca o qual elle seruira assim e da maneira que o seruirão as mais pessoas que antes delle o ocuparão…  (29).
Reconduzido nesta função, em 1691 (30), por mais três anos deve ter colaborado intimamente no Regimento de 1690.
Em 22 de Setembro de 1691 consegue novas tenças pelos serviços de sete anos, cinco «como Juiz de Fora de Torres Vedras e da Covi­lhã»... «em que introduziu a fábrica de baetas e sarjas, com a ocupa­ção de Conservador das mesmas fábricas ... », acrescidas do título do hábito de Cristo que El-Rei lhe mandou lançar (31).
Mais tarde, em 1694, foi autorizado a usar beca de Desembarga­dor conquanto continuasse Conservador das fábricas do Reino, «para que com mais autoridade possa fazer as diligências (em) que (El-Rei) fôr servido mandá-lo às terras em que há fábricas...» (32).
No ano seguinte, os 200$000 do seu ordenado passam a ser líqui­dados somente pela Casa dos Cinco, e registados no Livro das Fábri­cas e Manufacturas e no Livro dos Registos dos Decretos do Conselho da Fazenda (33).
D. Pedro II continua a pagar-lhe os serviços com generosidade, promovendo-o em 15 de Fevereiro de 1701, a Desembargador Extra­vagante da Relação do Porto (34) e, em 3 de Julho de 1706, a Desem­bargador da Casa da Suplicação, na vaga do Desembargador Manuel Lopes de Barros (35).
A carta de padrão de 60$000 de tença, concedida a sua filha bas­tarda D. Ângela Teresa da Cunha, em 3 de Outubro de 1713, esclarece que desempenhou ainda as funções de Desembargador dos Agravos e Apelações Cíveis do Porto e Corregedor do Cível da Corte, Juíz do Tombo dos Bens de Confiscados e Ausentes, Procurador Fiscal da Fazenda dos Três Estados (36) e Administrador Vitalício das Capelas de Salvador Jorge, sua mulher e outros (37).
Por fim é aposentado com o ordenado e propinas de Deputado da Mesa da Consciência e Ordens, em 15 de Dezembro de 1715 (38).
O Rei legitimara-lhe os dois filhos, D. Angela Teresa da Cunha, em 17 de Dezembro de 1710 (39) e Luís da Cunha Vilas Boas, em 24 de Julho de 1719 (40).
A longa carreira de magistrado e depois as mercês régias que lhe sucederam, parecem confirmar a falta de consistência das acusações dos inimigos da Covilhã: mas, sem elas, não teria sobrevivido para a posteridade a Memória dos seus serviços, quadro imprescindível para quem quiser estudar a política económica da segunda metade do Século XVII.

Covilhã
                                Fotografia de Miguel Nuno Peixoto de Carvalho Dias

NOTAS DO CAPÍTULO IV
(2ª Parte)

10 – ARQ. N. DA TORRE DO TOMBO – Chanc.ª de D. Afonso 6º – Liv. 24 fls. 209.  
11 – ID. – Liv. 22 fls. 184 v.  
12 – ID. –Liv. 42 fls. 11 v. 
13 – ARQ. N. DA T. DO TOMBO – Secção de Registos Paroquiais – Covilhã. Livº 2º de Baptismos da freguesia de St.ª Maria, fls. 141 v. Este filho do Dr. Manoel de Sande e de sua mulher D. Maria Teles nasceu a 31 de Dezembro de 1680 e foi baptizado a 16 de Janeiro de 1681.
14 – ARQ. N. DA TORRE DO TOMBO – Leitura de Bacharéis, Ms. 14, nº 33.
15 – ID. – Chanc.ª de D. João 4º, Liv. 16, fls 520 v.
16 – Além de prior do Tortozendo também foi cura de S. Maria da Covilhã.  
17 – LIVRO DE NOTAS DO TABELIÂO DA COVILHÂ, António de Lima  Aguilar. (1641-1652).  
18 – VID. nota nº 14.
19 – ARQ. N. DA TORRE DO TOMBO - Chanc.ª de D. Afonso 6º - Livº 27, fls. 274 vº.
20 – ID., ibid.
21 – ARQ. N. DA TORRE DO TOMBO – Leitura de Bacharéis – A certidão do tempo que advogou na Comarca é passada por despacho de Gonçalo da Cunha Vilas Boas, juiz de fora da Covilhã, em 1673 e a informação para o Desembargo do Paço é do Corregedor da Guarda Dr. Luiz de Valadares Soutomaior.
22 - ID., ibid.
23 – Estevam Correia Xara também tem processo de habilitação no Desembargo do Paço; as informações colheram-se em 1651 e 1652.
24 – ARQ. N. DA TORRE DO TOMBO - Chanc.ª de D. Afonso 6º - Livº 28, fls. 437.
25 - ID. Chanc.ª de D. Afonso 6º - Livº 42, fls. 87 vº. Há que rectificar o texto. A nomeação de Xara para Viana é posterior à sua nomeação para Lamego, visto aquele ser de 1674 e esta de 1668.
26 - ID. Chanc.ª de D. Afonso 6º - Livº 28, fls. 437.
27 – O Ld. Manoel Delgado Feio casou em Coimbra com Mónica da Fonseca. Vid. nota 14.
28 – ARQ. N. DA TORRE DO TOMBO - Chanc.ª de D. Pedro 2º - Livº 39, fls. 211 vº..
29 – ID. Chanc.ª de D. Pedro 2º. Liv. 64, fol. 226.
30 - ID. – Liv. 36, fls. 160 v.
31- ID. Id. Liv. 39, fls. 68 v.
32- ID. Id. Liv. 59, fls. 133 v.
33 - ID. Id. Liv. 39, fls. 211 v.
34 - ID. Id. Liv. 54, fls. 70 v.
35 - ID. Id. Liv. 46, fls. 324 v.
36 - ID. Chanc. de D. João V - Liv. 48, fls. 132 v.
37 - ID. Id. Liv. 28, fls. 21.
38- ID. Id. Liv. 46, fls. 127 v.
39 - ID. Id. Liv. 132, fls. 64.
40 - ID. Id. Liv. 135, fls. 374 v.
(Continua)

As Publicações do Blogue:

As publicações sobre os Contributos para a História dos Lanifícios:
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/04/covilha-contributos-para-sua-historia_23.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/04/covilha-contributos-para-sua-historia_6.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/04/covilha-contributos-para-sua-historia.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/03/covilha-contributos-para-sua-historia_16.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/03/covilha-contributos-para-sua-historia.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/02/covilha-contributos-para-sua-historia_26.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/02/covilha-contributos-para-sua-historia.html


quarta-feira, 23 de abril de 2014

Covilhã - Contributos para a sua História dos Lanifícios XXXIV



Considerando que esta valiosa obra de Luiz Fernando Carvalho Dias se encontra esgotada, e embora seja de 1954, estamos a publicá-la por capítulos no nosso blogue. Pensamos ser importante para o estudo da implantação das manufacturas em Portugal.
     Se quisermos contextualizar o tema diremos que governava D. Pedro, cujo vedor da fazenda era o Conde da Ericeira. Economicamente Portugal vivia uma grave crise comercial que o mercantilismo/proteccionismo, muito em uso no século XVII europeu e também em Portugal, no 4º quartel do século, vai procurar resolver. Duarte Ribeiro de Macedo, embaixador de Portugal em Paris, influenciado pelas ideias do ministro francês Colbert, escreveu em 1675 a obra “Sobre a Introdução das Artes no Reyno” e o Conde da Ericeira vai publicar legislação proteccionista muito importante, que também atinge a Covilhã.



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LUIZ FERNANDO DE CARVALHO DIAS









O S  L A N I F Í C I O S


NA  POLÍTICA  ECONÓMICA


DO   CONDE   DA   ERICEIRA




I









LISBOA   MCMLIV

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IV

Gonçalo da Cunha Vilas Boas, Conservador da Fábrica
e Cronista da Reforma

Barbosa Machado deixou-nos esta notícia de Gonçalo da Cunha Vilas Boas:

        «Gonçalo da Cunha Villas Boas, Cavalheiro professo da Ordem de Christo, filho de Pedro Vaz de Villas Boas, nasceo em Lisboa no anno de 1646. Frequentou a Univer­sidade de Coimbra, estudando Jurisprudencia Civil, na qual recebido o grao de Bacharel, e feita a Formatura, ser­vio com desinteresse os lugares de juiz de fora de Torres Vedras, Villa da Covilhã, e Conservador das suas fabricas, Ouvidor de Alfandega, e Dezembargador do Porto, donde passou à casa da Supplicação em 7 de Maio de 1704, Corre­gedor do Civil, a 12 de Julho de 1706, Juiz de Fisco, Pro­curador fiscal da Fazenda Real, e Junta dos Trez Estados, até ser apozentado no lugar de Deputado da Meza da Con­ciencia, como elle pedio. Retirado à sua quinta de Ourem falleceo piamente. Teve genio para a Poezia Lyrica, que sempre dedicou a assurnptos sagrados, deixando compos­tas letras para Vilhancicos, que podião formar tres Tomos de quarto, que intitulou: Terpsicore Musa Lyrica, M. S.» (1)

Nem sempre as noticias registadas pelo ilustre polígrafo do século XVIII, primaram pela pureza das fontes, e daí a conveniência de procurar, quanto possível, clarificá-las à luz dos documentos.
A investigação directa conduz aos seguintes resultados na biografia de Gonçalo da Cunha Vilas Boas.
Nasceu em Aveiro, em 27 de Agosto de 1644, filho de Pero Vaz de Vilas Boas e de D. Maria de Albergaria, moradores naquela cidade; os avós maternos foram o Desembargador Agostinho da Cunha de Vilas Boas e D. Bárbara Madeira, moradores na capital, na freguesia dos Anjos. Entroncavam na nobreza do Reino, desempenhando ele as funções de Corregedor do Cível da Corte e Juíz de Chancelaria.
A estirpe paterna regista, na jurisprudência, os nomes de seu tio avô, Pedro Vaz de Vilas Boas, procurador da cidade de Lisboa que viveu, muito tempo, na sua quinta do Campo Grande, a Alvalade, e de seu bisavô, também chamado Pedro Vaz de Vilas Boas, que desempe­nhara antes as mesmas funções de seu filho e homónimo.
O ramo materno provinha da Beira marítima. O avô, aveirense, dava por António Privado de Albergaria, e a avó por Catarina Godi­nha de Castro. Desta e do bisavô João Gomes de Pinho, Juiz dos Ór­fãos da Esgueira, corria rumor de defeito de sangue, brevemente abafado pela habilitação dum primo a um benefício eclesiástico da diocese de Coimbra, com inquirição julgada nesse bispado e confir­mada no Juízo Metropolitano de Braga. Questão azeda, entre a famí­lia de Catarina Godinha e o Vigário da Esgueira, originara o rumor infamante. (2).
O curriculum vitae de Gonçalo Vilas Boas, na Lusa Atenas, de­senvolve-se deste modo: os termos de matrícula trazem as datas de 23 de Outubro de 1660, 24 de Outubro de 1661, 8 de Janeiro de 1662, 29 de Janeiro de 1663, 1 de Outubro de 1664, 24 de Dezembro de 1667, 29 de Outubro de 1668 e 21 de Janeiro de 1669. Matricula-se na Uni­versidade com 16 anos; depois de quatro anos de frequência, inter­rompe o curso, para regressar aos 23 anos. Recebe o grau de bacharel aos 25 anos, em 7 de Junho de 1669, e forma-se em 16 do mesmo mês, no ano seguinte (3).
Inicia a sua carreira como Juiz de Fora de Torres Vedras, segundo Barbosa Machado, fundado certamente na Carta Régia de 22 de Setembro de 1691 (4), ou de Torres Novas como consta de igual carta de 19 de Junho de 1676, exactamente aquela que o transfere para o Juízo da Covilhã (5).
Aqui, durante três anos e meio, acumula as funções da judica­tura geral com a de Conservador das fábricas.
A judicatura largou-a ainda durante o ano de 1680 visto em Fevereiro de 1681, entrar a sua residência no Desembargo do Paço, e o seu substituto Bacharel Manuel Rodrigues Beja aparecer no­meado em 19 de Junho de 1681 (6).
Permaneceu, contudo, na Conservatória das Fábricas subordinado à Vedoria da Fazenda do Reino (7).  
A sua acção como executor da política de fomento do Conde da Ericeira, na fábrica de lanifícios, patenteia-se no relatório dirigido a esse fidalgo e demonstra as altas qualidades de acção de que era dotado. Reservámos para outro lugar deste ensaio os passos princi­pais da sua actividade, na missão económica que lhe destinou o Conde (8).
Cabe a essas páginas da literatura económica dos fins do Século XVII a honra de constituir o único documento circunstanciado da política do Vedor de D. Pedro, no sector da indústria dos panos de lã.
Encontrando-se inéditas, vêm agora pela primeira vez à publi­cidade. Nem mesmo Barbosa Machado lhes fez qualquer referência, muito embora inclua Gonçalo de Vilas Boas, na Biblioteca Lusitana. Circunscreve, porém, a sua actividade literária à autoria de Vilhan­cicos de carácter religioso.
A despedida da Covilhã acarretou ao Magistrado alguns dissabo­res, mas, se não fossem eles, a sua acção de ímpulsíonador da indús­tria de lanifícios ter-se-ia perdido no redemoinho do tempo. Foi a urgência de se defender contra a cavala dos seus inimigos, que lhe proporcionou, em 1681, a composição da Memória dos seus serviços.
Dividiu a obra, dirigida ao seu protector Conde da Ericeira, em três partes. Na primeira, descreve a reforma da fábrica de baetas e sarjas na Covilhã, em Melo e em Manteigas; na segunda, confessa os ódios que essa fábrica lhe acarretou e queixa-se das agruras do serviço público; na terceira parte, que não chegou a redigir, ou se perdeu, desejava demonstrar a falsidade das acusações que lhe fo­ram dirigidas.
Embora não o diga, pressente-se da leitura dessas páginas como as lutas, que procuravam queimá-lo, ao sair da Covilhã, se filiavam na revolta dos prejudicados pelo contrato de exclusivo das baetas e sarjas. Privados de fabricar e de comerciar neste tipo de fazendas, atribuíram ao Juíz de Fora toda a perda que daí adveio. Não deviam enganar-se.
Mas se o primeiro impulso, no renovado fabrico das sarjas e baetas, não se tivesse escudado no exclusivo industrial, certamente não teria resistido ao cerco que de todos os lados assaltou a constân­cia e iniciativa dos contratadores. Vilas Boas viu bem e executou me­lhor a difícil missão que, em boa hora, o Conde da Ericeira lhe con­fiara.
No antigo regime todos os ministros do Rei, governadores, jui­zes, altos funcionários, decorrido o período do mando, viam a sua administração joeirada no peneiro da devassa geral, sob a presidên­cia de um magistrado; a ela acudiam todas as queixas dos desman­dos cometidos ou deixados cometer. A esta devassa chamava-se o tomar da residência.
Não temia o governo do Rei estas supurações em que, por vezes, a paixão, o ódio e o despeito também vinham à tona da água e se misturavam aos queixumes duma justiça agravada, mas a verdade clarificava-se sempre e os desmandos do poder mal usado ou arbi­trariamente exercido nunca ficavam a rir-se da pobreza da bolsa ou da influência.
O governo do Rei não precisava, como os governos que ao depois vieram, de se prestigiar a toda a hora, numa autolatria permanente e absoluta, sustentando as tropelias dos sobas só porque detinham a vara do comando.
O governo do Rei estava prestigiado por natureza.
Por isso todos os que um dia mandaram, sabiam antecipada­mente que haviam de ouvir a réplica da opinião pública, e esperar do Desembargo do Paço ou dos outros Tribunais do Rei o veredictum da condenação ou da absolvição. É escusado encarecer a vantagem do sistema: por ele o exercício do mando era mais cauteloso e menos cobiçado.
Gonçalo da Cunha Vilas Boas chamou elegantemente às resi­dências dos ministros o esmalte dos seus procedimentos.
Com um governo agitado não só pelas lutas desencadeadas so­bre a fábrica, mas ainda pelas alterações da eleição dos procurado­res às Cortes de 1679-80, é natural que tivesse de sopear atritos e de­penar arrogâncias, que levantasse invejas à sua volta, sobretudo quando apresentava no activo da carreira realizações tão sérias como as três fábricas que barravam a entrada das fazendas inglesas e ele­vavam o nível da nossa balança comercial (9).
A residência, cometida a um velho magistrado, ouviu cerca de cem pessoas e dela nada resultou a deslustrar o Juiz, muito embora os seus inimigos tentassem vergar o inquiridor. Julgada a residência, no Desembargo do Paço, alcançou Vilas Boas as cartas de Provedor da Guarda, que, contudo, ficaram retidas na mesa do Príncipe.
Que tinha acontecido?
A Vilas Boas interessava acumular as funções de Provedor com as de Conservador das fábricas, que ainda não largara. Empenhou-se por isso nesta nova comissão, mas esqueceu-se de um novo concor­rente, a quem chama ministro, que lhe obstruiria as intenções.
(Continua)

NOTAS DO CAPÍTULO IV
(1ª Parte)
1 – BARBOSA MACHADO, Biblioteca Lusitana – Lisboa, 1933 – 2ª Edição – Tom. 4 pags. 137.
2 – ARQ. N. DA TORRE DO TOMBO – Leitura de Bacharéis, ms. 2, nº 54.
      A naturalidade de Gonçalo de Vilas Boas, consta do Arquivo da Universidade de Coimbra.
3 – ARQ. DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA – Matrículas, Actos e Graus respectivos.
      Estes dados foram-me gentilmente remetidos pelo meu velho amigo e contemporâneo de Coimbra Dr. Abel de Almeida e Sousa, ilustre conservador da Biblioteca da Universidade.
4 – ARQ. N. DA T. DO TOMBO – Chanc.ª de D. Pedro 2º Liv. 39, fls. 68 vº.
5 – ID. Chanc.ª de D. Afonso 6º - Liv. 42, fls. 323 v.
6 – ID., Chanc-ª de D. Afonso 6º - Liv. 34 fol. 47 v.
7 – É esta a doutrina que devia concluir-se da carta régia de 22 de Outubro de 1687 que nomeia Villas Boas ouvidor da alfândega de Lisboa, na qual se declara que, com boa residência, ocupou ultimamente o lugar de Juiz de Fora da Covilhã e ainda o alvará de 20 de Janeiro de 1695 que refere a mercê que lhe foi outorgada por Dec. de 2 de Julho de 1685. Contudo, deve rectificar-se o nosso juízo e admitir que Vilas Boas esteve afastado do serviço desde 1681 a 1684, cerca, portanto, de quatro anos, apesar de parecer deduzir-se dos seus discursos que todas as dúvidas se tinham aplanado. A descoberta das suas cartas para o Conde da Ericeira leva-nos a fazer esta rectificação. Não consta do texto esta rectificação por este se encontrar já em estado de não poder ser alterado. 
8 – VID. CAP.º 5º. 
9 - DOC. Nº 8. 

Nota dos editores - As cartas de Cunha Villas Boas foram publicadas por Luiz Fernando Carvalho Dias em II volume de "Os Lanifícios na Política Económica do Conde da Ericeira": 









As publicações sobre os Contributos para a História dos Lanifícios:
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/04/covilha-contributos-para-sua-historia_6.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/04/covilha-contributos-para-sua-historia.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/03/covilha-contributos-para-sua-historia_16.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/03/covilha-contributos-para-sua-historia.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/02/covilha-contributos-para-sua-historia_26.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/02/covilha-contributos-para-sua-historia.html

domingo, 20 de abril de 2014

Covilhã - O Cancioneiro Musical da Covilhã e o Engenheiro Melo e Castro


    Estas reflexões de Luiz Fernando Carvalho Dias serviram de prefácio à publicação de 1984 “Cancioneiro da Covilhã”, aquando do 1º Centenário da Escola Industrial Campos Melo da Covilhã. Apresentamos também duas músicas - o Bendito do Campo - “o Bendito da procissão do Senhor dos Enfermos da segunda-feira de Páscoa” e Duas Canções de Roda (Refúgio). Sobre estas canções de roda disse Luiz Fernando Carvalho Dias: "o Eng. Mello e Castro, nessa altura, como depois outros músicos, buscava na Beira as canções da roda de tirar água: foi pela minha mão que recebeu a única do seu cancioneiro e creio que raríssima".
      Na parte final publicamos uns dados biográficos de Mello e Castro, não revistos, da autoria de Luiz Fernando Carvalho Dias.

O Cancioneiro da Covilhã
e o
 Eng.º Ernesto de Mello e Castro

            Das minhas andanças na Mancha da bibliografia algo haveria de contar. Hoje cabe a vez ao Cancioneiro Musical da Covilhã, recolhido e preparado pelo Eng. Ernesto de Mello e Castro, de como veio à minha posse e porquê. É o que passo a descrever.

            Por voltas de 1970 comecei a organizar um dicionário de autores covilhanenses, com o intuito de acertar as minhas pesquisas nesse sector, feitas até então, e para prosseguir no registo de trabalhos de interesse regional, publicados posteriormente às grandes bibliografias gerais de Inocêncio Francisco da Silva, de Brito Aranha e de Martinho da Fonseca. Dentro dos limites de tal objectivo ordenei um questionário, distribui-o e publiquei-o nos jornais locais e quedei à espera do resultado. Com quanto as respostas me não tivessem decepcionado, notei no entanto, que muitas pessoas a quem dirigira o questionário e eu sabia autores de trabalhos literários e técnicos publicados, alguns até com quem não mantinha relações pessoais, não responderam, ou porque a iniciativa carecia de actualidade ou porque viram nela mais um gesto de promoção pessoal do que uma valorização de interesse comum.
            Puz a iniciativa de remissa e aguardei melhor oportunidade.
            Há meses, revendo esses papéis, topei entre as fichas com algumas referentes a membros da família Campos Mello que o eng. Ernesto, então interessado na iniciativa, se prontificara a redigir e, junto delas – o Cancioneiro da Covilhã.

            Recordo que ao confiar-mo, me dissera:
            - Se um dia tiver oportunidade, publique-o.

            Várias vezes o tentei, mas em vão, se não quando me apareceu o Francisco Geraldes a falar no Centenário da Escola Industrial e nas festas que se propunham realizar. Pensei que era a oportunidade de publicar o Cancioneiro do Eng. Mello e Castro, como homenagem ao seu autor que fora Director da Escola durante muitos anos, e homenagem à Escola que assim via consagrado quem fora um valioso elemento do seu corpo docente.
            Acrescia a circunstância de ter sido o Cancioneiro motivo para o seu autor organizar na Escola, entre alunos, quando Comissário da Mocidade Portuguesa, um Grupo Coral para a execução e difusão das canções do folclore da Covilhã. A iniciativa constituiu, na altura, uma expressão cultural de muito interesse e mereceu do público uma total adesão.
            Francisco Geraldes propôs-se imediatamente a integrar a publicação do Cancioneiro no programa das festas centenárias e, dado que o original estava em borrão, mandá-lo copiar convenientemente, trabalho de que se encarregou o filho Marco Paulo Fernandes Raposo Fazendeiro Geraldes.
            As minhas relações pessoais com o Eng. Ernesto de Mello e Castro, embora sempre atenciosas – foram cerimoniosas, e só o comum interesse pelas tradições da Covilhã, justificaram a oferta do Cancioneiro. Trinta anos, no fim da década de trinta, sugestionados pela publicação do livro de Rodney Gallop, e sobretudo pelas surpreendentes colheitas de António Joyce, no Paul e em Monsanto, deambulámos ambos pela Boidobra e pelo Refúgio, acompanhados do seu pequeno órgão, em busca das canções da Covilhã. Poderia estar aqui a razão da amável oferta de que fui alvo?
            Eu não sabia música, mas romeiro da mesma peregrinação folclórica já antes percorrera aqueles caminhos à cata de rimances e quadras populares, por isso estava em condições de servir de cicerone a quem dominava a música. Nesses tempos buscava eu, na tradição local, elementos líricos sobre Santa Maria da Estrela, mas eram turvas as águas onde navegava, todos me repetiam que a melodia da Senhora da Estrela se confundia com o Coração de Maria do Ferro. Por isso, o Coração de Maria do Ferro entrou no Cancioneiro do Eng. Mello e Castro. Mais tarde D. Maria d’Ascenção Carvalho Rodrigues faria dissipar o engano a que as nossas deduções de então, ingenuamente nos levaram. O Eng. Mello e Castro, nessa altura, como depois outros músicos, buscava na Beira as canções da roda de tirar água: foi pela minha mão que recebeu a única do seu cancioneiro e creio que raríssima.

            “Anda, minha roda, anda...”

            Anoto, por isso, os locais da freguesia da Boidobra e do Refúgio onde foram recolhidas esta e outras canções e ainda o nome das colaboradoras: quinta Velha ou Polito Pequeno, com elementos da família Gaiola e Neto (Guilhermina e Maria); Quinta do Ribeiro Negro, com elementos da família Carrola e Mingote (Maria, Piedade, Conceição e Teresa), frente à loja do sr. Santarém (Natividade de Oliveira, Anita Curto, etc.).
            Não colaborei na colheita das canções de Orjais, do Teixoso e de Verdelhos e desconheço as condições da sua recolha, mas sei terem sido posteriores às da Boidobra e do Refúgio.
            As recolhas da Covilhã coincidiram cronologicamente com estas últimas e essas canções provêm de fontes várias. Andavam nos ouvidos de todos nós como o Bendita e Louvada Seja das novenas da Imaculada Conceição do Antigo Convento de São Francisco; o Bendito da procissão do Senhor dos Enfermos da segunda-feira de Páscoa; o São João da Covilhã e o São João do Campo; e as canções do Natal, versão diferente das estropiadas na versão de Gallop e as Janeiras.
            Além destas e outras canções, o Cancioneiro da Covilhã de Mello e Castro contém algumas cantigas das romarias da Beira tal como os romeiros da Covilhã as entoavam: refiro-me designadamente à Senhora da Póvoa de Vale de Lobo, à Santa Luzia do Castelejo, à Senhora do Desterro do outro lado da Serra da Estrela.
            Reparo ainda, sem encontrar explicação para a falta, na ausência de outras canções que eu sabia constarem da recolha do Eng. Ernesto de Castro, como por exemplo o Senhor Deus Misericórdia das procissões da Semana Santa, canto propiciatório nas tempestades e naufrágios das naus da India; os Martírios – da quaresma; o Encomendar das Almas – tudo recolhido nos mesmos locais e na mesma época. Sou levado a atribuir tal ausência, na minha colectânea, a que esta resumiria somente as canções exibidas pelo Grupo da Mocidade Portuguesa e não todas as canções recolhidas primeiramente.
            De qualquer modo considero o Cancioneiro Mello e Castro, não como um cancioneiro definitivo do folclore covilhanense, mas como uma nobre tentativa, capaz de ser aprofundada, completada e alargada por novas pesquisas noutras zonas do concelho da Covilhã.
            O Eng. Ernesto de Mello e Castro, embora esta sua obra tenha tardado muito, deve considerar-se como um pioneiro na pesquisa, recolha e difusão da música popular da sua terra.
            A recolha oferece ainda garantia de genuinidade e pureza dum meio de 1940, pouco poluído pelos meios mecânicos de difusão sonora. O campo aparecia como um oásis aonde não chegava a perversão dos ritmos doentios que a música exótica trazia no ventre.
          
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            O Eng. Ernesto de Castro apesar de ter vivido na Covilhã a maior parte da vida, finou-se em Lisboa, em Agosto de 1973, com 77 anos incompletos.
            Morrer em Lisboa, teatro de glórias fenecidas e de desvairos deste povo... merecia melhor sina quem nascera na Covilhã e se empolgara com os motes lígios e ilírios de seus cânticos, merecia que se lhe postassem em homenagem os pinheiros esguios e simples de Santo António e do Sineiro... e extintos os derradeiros pontos do Requiem, o amortalhasse carinhosamente a terra donde veio e o vento, em seguida, arrancasse das copas das árvores, em ritmos de adufe, a canção que ele considerava e repetia como hino à vida e à alegria da sua Covilhã.

“Agora é que ela vai boa
Já me cá vai agradando...”

Luiz Fernando Carvalho Dias


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Nota - Onde se lê "Lá em cima altar-mor", deve ler-se "Lá em cima ao altar-mor"


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Dados biográficos não revistos da autoria de Luiz Fernando Carvalho Dias

"O Engº Ernesto de Campos de Melo e Castro, ou Engº Ernesto de Castro como melhor o conhecíamos, nasceu na freguesia de S. Martinho da Covilhã em 9 de Outubro de 1896, filho de José Maria de Melo e Castro e de D. Carolina Eugénia da Silva Campos. Era neto paterno de José Guilherme de Castro e de D. Guilhermina da Silva de Campos Melo e materno dos Viscondes da Coriscada Francisco Joaquim da Silva Campos Melo e Carolina Eugénia da Silva Campos.
Seu bisavô Fernando de Castro, tabelião de notas na Covilhã, como estimava, ele engenheiro, de me repetir e até escrever, encontrou-se entre os “bravos do Mindelo” e justifica a circunstância do pai deste Fernando de Castro – Gaspar Pereira da Costa, industrial de lanifícios em Pedrouços e mais tarde da governança da vila da Covilhã, ter fugido dela e morrido no Cerco do Porto.
A sua avó D. Guilhermina da Silva, uma senhora velhinha, muito simpática e muito culta, ouvi eu um dia recordar a vinda de Camilo Castelo Branco à Covilhã, quando escrevia “O Judeu”, de quem ela se considerava descendente pela linha Silva. Não curei deste facto porque o sangue covilhanense corrente na descendência do comediógrafo António José da Silva não vem dele, mas sim de sua mulher, Leonor Maria de Carvalho, esta sim natural da Covilhã.
Também o Dr. Francisco Miguel Henriques da Silva, durante muitos anos Conservador do Registo Civil na Covilhã, me confessou caber à sua gente a representação do malogrado António José da Silva. Nunca me dei ao trabalho de pesquisar se o “Silva” de um e outro lado era o mesmo, mas “Henriques da Silva”, pelo lado Broco representava uma das mais velhas famílias do gheto covilhanense, como se conclui do Tombo dos Bens de S. Lázaro de 1500. Os “Melos” e os “Silvas” do Engº Campos Melo, já aristocratizados, chegaram de outras bandas e já tardiamente. Da mesma avó D. Guilhermina vinha, ao Engº Ernesto de Castro o sangue Campos Melo que ele, com razão, considerava o cerne da sua estirpe, que não da sua personalidade. O Povo, no seu linguarejar arcaico, chamava-lhes os “Melas”, epíteto castelhanizado a evocar uma origem e uma raça. O século XIX covilhanense foi deles e só deles. Eles foram os arautos da inovação e do progresso no comércio e na indústria, como na época anterior o foram os Pereira da Silva, os Henriques de Castro, os Mendes Veiga e os Pessoas de Amorim. Mas enquanto estes deixaram casas pintadas, os Campos Melo, para além  das naturais fraquezas humanas dos palácios armoriados de latão e das ameias de porcelana, dos quadros de comendadores, das faixas e das veneras amarelas, deixaram uma herança cultural, comercial e industrial; deles permaneceram as novas técnicas comerciais e industriais largamente difundidas, as novas máquinas importadas directamente da Europa e, acima de tudo, a Escola Industrial, esse alfobre da indústria covilhanense do século XX. A esta escola, fundação da sua família, consagrou o Engº Ernesto de Melo e Castro depois dos anos trinta, a sua actividade profissional de engenheiro químico-industrial.


Escola Secundária Campos Melo

A indústria e o comércio criam riqueza e bem estar, facilitam a difusão da cultura, a própria actividade revestia aspectos de ética profissional a que a firma Campos Melo conscientemente se vinculara e religiosamente cumpria. Também um escrupuloso respeito pela ética profissional, tanto no comércio como na indústria, constituíram um verdadeiro timbre de nobreza desta gente e uma lição permanente para a Covilhã. Ora nem durante o liberalismo da monarquia, nem na república, apesar de em horas atribuladas compartilharem as mesmas dores, nunca os agrários do sul do distrito os convidaram a desfrutar a lauta boda ou depois a jogar os dados da tavolagem política. Por isso a Covilhã dessa época correu sempre marginalizada pela política, resolvendo por si as suas crises, perante a indiferença geral, gozando os seus triunfos de progresso e de abastança por entre a inveja e o ódio dos que nada faziam.

A actividade política dos Campos Melo além de eleições locais, do jornal “A Sentinela da Liberdade”, da Campanha do “Papa Rei e o Concílio” (que apesar de no Index, colheria hoje os votos do Concílio Vaticano II), e da recepção e jantares a Ministros visitantes, a pouco ou nada mais se resumia".

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