sábado, 27 de dezembro de 2014

Covilhã - Pedro Álvares Cabral e Belmonte VII

   Encontrámos no espólio de Luiz Fernando Carvalho Dias documentação vária relacionada com a família de Pedro Álvares Cabral e Belmonte. Hoje começamos a publicar esta memória sobre o Convento de Nossa Senhora da Esperança, próximo de Belmonte. Este convento é hoje uma pousada e a imagem da Senhora da Esperança está na Igreja de S. Tiago, em Belmonte.

Nossa Senhora da Esperança 


MEMÓRIAS DOS CONVENTOS DA CONGREGAÇÃO
DA 3ª. ORDEM DE FR. VICENTE SALGADO

Convento de Nª. Senhora da Esperança, junto à vila de Belmonte

Castelo de Belmonte
Fotografias de Miguel Nuno Peixoto de Carvalho Dias

Distante tres leguas da cidade da Guarda, na comarca de Castelo Branco, junto à vila de Belmonte, está fundado o convento de Nª.Senhora da Esperança da jurisdição ordinária da Diocese Egitaniense (1).
Foi Belmonte povoação populosa, elevada, e alegre por seu assen­tamento, sujeita à vila da Covilhã, mas com Foral que lhe deu El Rei D.Sancho 1º (2).
Nas alterações do Reino, governando o Senhor Rei D.João l, seguiu a Covilhã as partes de Castela; mas os moradores de Belmonte defenderam o seu castelo pelo soberano português, que em recompensa a criou vila, com jurisdição própria, por carta de dez de Abril da era de 1423, ano de Cristo de 1385 (3).
O Senhor Rei D.Manuel lhe deu novo foral, declarando o antigo de El Rei D.Sancho I; datado em Santarem no primeiro de Junho de 1510 (4). Tem a vila de Belmonte duas freguesias: Santiago, Priorado de concurso da Mitra: e Santa Maria, Vigararia do Padroado Real. É abundante de pão, vinho, gado, caça miuda, carne de porco, e recolhe bastantes linhos.
El Rei D.Afonso V, deu esta vila, com todas as suas rendas, foros, e direitos Reaes, excepto as sizas, a Fernão Cabral, fidalgo de sua casa, e Regedor da Justiça na comarca da Beira, e Riba Coa, para elle e seus descendentes varões legítimos, por carta passada em Évora a 24 de Setembro de 1466. (5) Fernão d'Alvares Cabral, pai do sobredito, e seu Avô Luiz Alvares Cabra1, tinhão conseguido a mercê de Alcaides mores do Castelo de Belmonte em vida somente; e Fernão Cabral, conseguiu do mesmo Soberano D.Afonso V esta mercê para si e seus sucessores, varões legítimos, por carta passada em Évora a 20 de Outubro de 1466. (6) El Rei D.Manuel confirmou tudo isto e outras mais mercês a João Fernandes Cabral, em Setubal a 17 e 19 de Julho de 1496 (7).
Casou João Fernandes Cabral com D. Joana de Castro, e entre outros filhos tiveram a Jorge Cabral, que na viagem em que partiu para e India o Governador D. João de Castro, foi comandando numa Nau, saindo de Lisboa aos 17 de Março de 1545. As heroicas proezas deste valoroso soldado, chamado o Romulo português, não são deste lugar (8). Ficou o Senhor Jorge Cabral por Governador daquele Estado por falecimento do Vice Rei D. João de Castro, em 1548, e o regeo um ano, com muito zelo, e desinteresse. Unia este fidalgo a probidade cristã com a vida militar; sua intrepidez era ajudada da força da graça que desejava merecer do Senhor por seus exercícios de piedade. Tinha uma particular devoção à Mãe de Deus, e trazia em sua companhia uma per­feitíssima Imagem da Senhora, a que fez o título da Esperança: encomendando­-se devotamente à Soberana Virgem, e confiado no seu alto patrocinio esperava o socorro e o amparo nas tormentas, e acções marciais. Não sei dizer se levou já consigo esta Imagem do Reino, ou se a mandou fazer na India, aonde D.Manuel Caetano de Sousa quere que casasse, sem dizer com quem (9) mas eu encontro em outros genealogicos, que Jorge Cabral, filho de João Fernandes Cabral, casou com D.Lucrecia Borges Corte Real, ou como outros lhe chamam D.Lucrecia Fialho, de quem teve única filha herdeira a D.Joana de Castro, casou com Fernão Cabral seu primo co-irmão.
Recolhido o Senhor Jorge Cabral ao Reino, e a casa de seus pais a Belmonte, intentou fazer uma ermida na sua quinta dos Crestados, um quarto de legua distante daquela vila, o que pôs em execução, colocando ali a soberana Imagem da Senhora da Esperança. O Pe. Fr. Agostinho de Stª. Maria, no Santuario Mariano diz, que Pedro Alvez Cabral, descubridor do Brazil em 1500, de volta da India para o Reino é que trouxe aquela Imagem e a colocara na ermida da Quinta dos Crestados, sendo venerada aquela Senhora dos povos vizinhos, pelos inumeráveis prodígios que obrava (10). As nossas memórias atribuem a colocação desta Imagem ao Senhor Jorge Cabral, que obrigado da sua devoção, amor e reconhecimento à Santa Virgem; e desejando continuar os perenes louvores à sua Protectora Maria Santíssima, convidou para isso aos Religiosos da Provincia da Piedade, que recusaram a fundação.
Concorria muito para o ornato e asseio da Capela e dormitorio Leonor Rodrigues, dona viúva, que servia de Ermitoa. Os bons exemplos de vir­tude, de doutrina e zelo da salvação das almas, que o Senhor Jorge Cabral experimentou em os nossos Religiosos, com quem tratava com familiaridade nas viagens, e assistência de Goa, nas conquistas asiáticas, o fizeram de liberal a oferecer a erecção desta casa à nossa ordem, celebrando-se a Escritura de Doação da Ermida da Senhora da Esperança, e quinta de Crestados com o Provincial Fr. Matias, na cidade de Lisboa a doze do Novembrbo de 1563 pelo Tabelião del Rei Heitor Dias de Magalhães. (11)
Com licença do Senhor Rey Dom Sebastião, Governando o Reyno na sua menoridade o Cardeal Infante Dom Henrique, e do Bispo da Guarda D. João de Portugal, filho do primeiro Conde de Vimiozo, se fundou esta casa (12). Tomarão posse da Ermida, e Quinta os Padres Fr. Chistovão, e Fr. Agostinho em 3 de Maio de 1564 mandado dar pelo Juiz Ordinário de Belmonte Andre Nunes, sendo tabalião Luiz Martins. Isto mesmo manifesta huma pedra que fica por detraz da porta do De Profundis que diz: Anno de 1564. Cresceo tanto a obra pelo fervor dos Religiosos, que em 5 de Agosto de 1565 se cantou a primeira missa, com muita alegria e prazer daqueles povos que cheios de devoção imploravão em suas necessidades àquela soberana Imagem da Senhora da Esperança; obrando o Onnipotente extraordinárias maravilhas em beneficio daqueles fieis.
He regular este convento, com tres dormitorios, e a Igreja a um lado, que faz um grado com seo claustro, quinze cellas, hospedaria, e officinas proporcionadas. A Igreja tem tres altares: a capella mór he dedicada a Nossa Senhora da Esperança, titular do convento. Tem seo retabulo, tribuna e tecto entalhado, e tudo doirado, obra mais moderna da fundação. He perfeitissima esta imagem, que está elevada no trono, trabalhada em belo jaspe, com altura de cinco palmos e meio, e o Menimo Jesus assentado no braço esquerdo, que a senhora acompanha com a mão direita, tendo neste braço um passarinno com as azas abertas, querendo picar no ramo, que o menino tem na mão. O altar da parte do evangelho he dedicado a Jesus Cristo crucificado e o da Epistola à Senhora da Conceição: tem seos retabulos doirados em 1712. Antigamente estas capelas eram dedicadas a Santa Luzia e a S. João, cujos retabulos primitivos se acham na sacristia. A cerca é dilatada mas de pouco fruto por ser muito pedregosa. Havia nella uma Ermida dedicada à Senhora da Conceição, tendo por cima do pórtico Tota Pulcra es maria et macula nom est in te. O tempo fez mudar o Patrono, collocando no altar a Imagem de S. José em 1690, dando à Senhora altar na Igreja. Tinhão os religiosos e seculares particular de­voção ao Esposo de Maria, tributando-lhe respeitosos cultos, em reconhecimento das graças recebidas: corre junto à Ermida do Santo uma deliciosa fonte, onde os enfermos em suas doenças mandavão buscar agua e muitas vezes experimentavão ser medecina eficaz nas molestias. tanto podia a fé e a devoção com o esposo da Santa Virgem, arruinou-se a Ermida, e a Imagem do Santo se colocou no Altar de Jesus Cristo crucificado, aonde é venerada.
Concorriam os Benfeitores com suas esmolas e estabeleciam capelas para fundo e sustentação daquela comunidade Governando o Provincial Fr. Fernando da Camera, Diogo Francisco da Praça, chamado o Serodio e sua mulher Isabel Nunes, estabeleceram duas missas quotidianas neste convento sendo ministro o Pe. Fr. José da Esperança, e Tabalião Manuel Mendes de Aguiar, por escritura de 22 de Junho de 1651. Fernão Cabral administrador da Casa de Belmonte, e da sobredita capela, declarou por uma escritura feita pelo Tabalião Christovão de Almeida, aos 13 de Agosto de 1680, os bens que lhe eram destinados, para a satisfação dos encargos.
A austeridade, pobreza e observancia dos Religiosos, moradores desta casa, e dos conventos que havia no Reino, hé constante na conta que deu ao Cardeal Alberto arquiduque de Austria, o geral de Alcobaça Fr. Guilherme da Paixão, de que já tenho falado; reformando-se assim mesmo, sem autoridade estranha, pelo zelo e boa doutrina dos Superiores. Achou aquele austerissimo visitador quinze frades neste mosteiro, numero que parece crescido, mas que tinham ficado do congresso, que tres anos se tinha feito naquela casa.
Era o convento de Stª. Catarina de Santarem, casa capitular pela graça e mercê do Senhor Rei D. Afonso V, em 1470, mas o convento da Esperança, passados cento e quarenta anos teve tambem esta honra, governando o provincial Fr. Francisco Paixão, aonde celebrou a congregação em capítulo intermedio, em 7 de Março de 1584, ajuntando-se neste congresso os Reverendissimos o Ministro Provincial, os Ministros locais, e Definidores (13) e coordenaram umas pequenas e concisas constituições que se imprimiram, dividiram em oito capítulos, para o bom regimen, e exacta observância da Santa Regra, e exercícios espirituaes, e literarios desta ordem, de que já falei no Compendio Historico (14). Em 1597 fez entrega neste convento o Pe. Fr. Gabriel de Brito das Reliquias que tinha trazido de Roma para adornar os Santuarios dos Mosteiros da Congregação, como consta do testemunho que transcrevo na nota em que deu sua fé publica o tabalião António de Proença. (15)
O Pe. Fr. António da Ressurreição natural de Gouveia, institui a venerável Ordem Terceira secular na Igreja  de N. Senhora do Rosário do Lugar de Caria em 1693, sendo primeiro ministro desta ordem António Gonçalves Neto. Compreendia muitas villas e lugares, como Alpedrinha, Castelo Novo, S. Vicente da Beira, Penamacor, Castelejo, e outros. Em 1718, sendo comissario o Pe. Fr. Serafim das Chagas se fez cabeça desta Terceira Ordem secular a vila de Belmonte: e estão anexos a esta venerável ordem os lugares de Maçaínhas, Benespera, Vela, Inguias, Caria, Malpica, Urjais, e alguns mais. Fazem na sua capela os actos pios e catolicos com devoção e excessivo gasto no culto divino, de que são muito zelosos.
Era contemplada esta casa na Esmola da Especiaria, pelo Alvará do Senhor Rei D.Sebastião, de 1571, concedida a todas as comunidades Franciscanas.
Por mercê do Senhor Rey D. João IV de 16 de Novembro de 1644 é contemplada esta casa em uma arroba de cera e outra de açucar. Vai copiado este Al­vará no convento de Lisboa.
Governando Filipe III de Portugal conseguiu este convento uma provisão do Dezembargo do Paço para se lhe dar carne nos Açougues de Belmonte, e lugares vizinhos. Dada em Lisboa a dezoito de Fevereiro de 1627 (16).
Tem tambem Alvará para pregarem a quaresma na vila de Belmonte, assinada em Lisboa a 20 de Agosto de 1619. (17) Conseguindo-se tambem Provisão para pregarem a quaresma no lugar de Caria em 1747.
A livraria de oitocentos e cinquenta volumes: tem alguns Santos Padres das edições antigas, sua parte de História profana, e bastantes sermonarios.
O louvável procedimento dos moradores daquela casa, sua modestia e zelo pelo culto da Soberana Senhora, fazia atrair os povos à devoção da mãe de Deus da Esperança. Pregavam, confessavão e instruião as gentes nos deveres do estado de cada um, merecendo pelo desempenho das virtudes a contemplação dos benfeitores no subsidio para a futura manutenção daquele convento.
Este bom nome, não só fazia que os povos liberalisassem as esmolas; mas tambem estimulavam a muitos senhores Donatarios a desejar estabelecidos nas suas vilas uns Religiosos de tão conhecida probidade. O ilustre e douto D. Luiz Lobo da Silveira, Senhor das Sarzedas, persuadido da boa fama, e conhecimento dos Religiosos da Terceira Ordem se propoz fundar um convento naquela vila.
Doze léguas a nordeste de Abrantes, e tres de Castelo Branco para o poente em sitio alto e fragoso, tem seu assento a nobre vila das Sarzedas, cercada por todas as partes das ribeiras de Ocresa, Magueja, Almaceda, Tropei­ro e Alvito, que a fertilisão de pão, vinho, azeite, gado, caça e muitas colmeas. Foi fundada por D. Gil Sanches, filho bastardo del Rei D.Sancho primeiro de Portugal pelos anos de 1213 com os mesmos foros da vila da Covilhã (18).
Foi o ilustrissimo D. Luiz Lobo da Sylveira, senhor de Sarzedas e Sovereira Formosa, Comendador de Santa Olalha, e de Santa Maria das Sarzedas, casado com D. Joana de Lima, filha de D. Diogo de Lima, Comendador de Vitorinho, camareiro mór do Infante D.Luiz (l9), Pai do primeiro Conde das Sarzedas D. Rodrigo Lobo da Silveira, por carta de 21 de Outubro de 1630 (20).
Ajustou-se aquele fidalgo com o Provincial Fr. Gabriel de Brito em 1603, para o estabelecimento e fundação de uma casa religiosa que se tinha proposto edificar na sobredita vila das Sarzedas. Antes de proceder se a escritura publica, fez o dito Senhor D.Luiz Lobo um pepel, em que tambem assinou sua mulher, declarando as condições do contrato para o estabelecimento daquela nova casa, devendo com este testemunho autentico conseguir se a licença do soberano, e ordinario (21).
Ignoram-se os motivos que obstaram a concluir-se esta fundação.
(Continua)

Notas:
(1)- A Corografia Portuguesa faz distante a vila de Belmonte doze leguas de Castelo Branco, e o Autor do Mapa de Portugal onze.
(2) - Arquivo Real da Torre do Tombo. Forais novos da Beira fol. 10 (sic).
(3) - Ibidem. Liv. lº. de D. João 1. fo1.124.
(4) - Ibidem: Liv. dos Foraes Novos da Beira fol. 10.
(5) - Ibidem Liv. 1º. da Beira fol. 119.
(6)- Ibidem foI. 120.
(7)- Ibidem Liv.41 fol. 88 e 89 v.
(8) - Lea-se Jacinto Freire na Vida de D.João de Castro: As Decadas do mesmo tempo: e outros muitos de nossos historiadores das cousas da India.
(9) - Hist. Geneal. Tom. XI. pag.845. D.Joana de Castro, filha de D. Rodrigo de Castro, casou com João Fernandes Cabral, Senhor de Azurara, Alcaide mor de Belmonte, e tiveram Fernando Cabral, com quem se continua: Jorge Cabral, Governador da India, que casou naquele Estado, e teve entre outros filhos de que não há descendência a D. Joana de Castro, mulher de seu primo Fernando Cabral.
(10) - Tom. 3º. do Sant. Marian. pag. 70.
(11) - Saibão quantos este estromento de doação virem que no Ano de nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil e quinhentos e sessenta e tres, aos doze dias do mes de Novembro, na cidade de Lisboa, de fora das portas de S. Vicente da Mouraria, na Rua de Santa Barbara nas ca­sas em que pousa o Senhor Jorge Cabral do conselho de El Rei nosso Senhor, estando ele hi presente, de uma parte, e doutra parte o Pa­dre Frei Cristovão e seu companheiro Frei Agostinho da Purificação, da ordem terceira de S. Francisco, e residentes em o convento de Stª. Catarina da vila de Santarem em seus nomes e no do Provincial o padre Frei Matias, segundo ele logo hi mostraram por uma licença feita, e assinada por ele e assilada com o selo da dita ordem terceira de S. Francisco, segundo por ele fora firmado, da qual licença seu teor é o seguinte: Frei Matias ministro neste convento de Santa Catarina de Santarem, Provincial da Terceira Ordem de S.Francisco em Portugal: a vós amados em Cristo Fr. Cristavão sacerdote confessor, e vosso companheiro Fr. Agostinho por esta vos dou poder e em especial para que em meu nome e da ordem aceiteis de o Senhor Jorge Cabral a renunciação que ora quere fazer da casa de Nossa Senhora da Esperança que está no termo e comarca de Belmonte, a qual se fará por um tabelião publico: em certeza vos dei esta por mim assinada e selada com o selo mor do meu oficio. Dada neste convento aos oito de Novembro de mil e quinhen­tos e sessenta e tres =Frei Matias= é trasladada, assim a dita licença como dito é, Logo per o dito Senhor Jorge Cabral foi di­to, que ele edificara uma ermida de invocação de Nossa Senhora da Esperança na Serra dos Crestados, termo da vila de Belmonte, a qual fundara e edificara com proposito de nela fazer oficinas e casas e a dar à ordem de Noss a Senhora da Piedade, e tinha fei­to algumas casas terreas com outra mais obra, e assim um pomar de muitas arvores, cercado de pedra em sossa (sic), e por os ditos padres da dita ordem da Piedade a não quererem aceitar, ele dito Senhor Jorge Cabral, por serviço de Deus e de Nossa Senhora e devoção que tem aos Padres de S.Francisco da Terceira Ordem há por bem e lhe praz dar e renunciar a dita casa e ermida com as ditas casas e obras e pomar e pinhal, assim como ora está, e de­pois logo deu e renunciou a dita casa e obras e pomar e pinhal com todo o mais que à dita casa pertence e com seus ornamentos, convem a saber, um cales de prata, e um pontifical de seda da India e com seu frontal do mesmo e com todos os mais ornamentos que à dita casa pertencem, aos ditos padres da Ordem Terceira de S. Francisco, para que eles o possam possuir e povoar como mosteiro da dita sua ordem e farão dela e em ela, como de casa sua, da dita ordem sem contradição de pessoa alguma. A qual Ermida e Casa de Nossa Senhora da Esperanço ele dito Senhor Jorge Cabral lhe dá e doa e renuncia nos ditos Padres com tal condição, que eles serão sempre obrigados a povoarem a dita casa, e terem nela padres da dita sua ordem que abastem para na dita casa ser de vi­da de Religiosos como cumpre a serviço do Senhor Deus: e assi disse mais ho dito senhor Jorge Cabral, que elle por este estro­menta se hobriga, e defeito se obrigou dar aos ditos padres para acabarem a dita casa, e obres della com cruzados em dinheiro os quaes lhe hirá dando, assi como elles forem fazendo a dita obra; e com tal condição e entendimento disse elle senhor Jorge Cabral, que fazia a dita renunciação, e doação ha dita ordem da dita her­mida e obras e cousas sobreditas nellas pertencentes que elles a povoem dentro de hum anno primeiro seguinte e não a povoando den­tro do dito anno, que em tal caso elle a possa dar, e renunciar a quem lhe bem parecer; e quizer sem elles padres a isso lhe poderem allegar nenhumas duvidas, nem embargos; e povoando-a elles, como dito hé, elle lha da à dita hordem deste dia para sempre, e loguo por este lhe dá poder que vão tomar posse da dita casa e de todollas cousas que ha elle pertencem, sem ninguem a isso lhe contradizer; e pede has justiças da dita villa ou outras quaesquer deste Reino lhe deem a dita posse por virtude deste estromento de doação e renunciação; e elles ditos padres possão por qualquer pessoa ou pessoas de sua mão, athe irem a morar na dita casa; e os ditos Padres Fr. Cristho­vão e Fr. Agostinho em seus nomes, e em nome da dita hordem, e Provincial Fr. Mathias por virtude da dita licença disserão que aceitavão ha dita casa, assi, e da maneira que lha ho dito Senhor Jorge Cabral renuncia e dá, e se hobrigão ha cumprirem as condições aqui declaradas; e em testemunho de verdade assi o outorgarão e mandarão fazer este estromento de doação, e renunciação, e delle dar um treslado, e quantos cumprirem deste theor a elles sobreditos, que estando presentes pedirão e aceitarão. E eu tabalião ho aceito em nome do dito Provincial, e seu convento como pessoa publica estipulante, e aceitante, testemunhas que forão presentes Domingos Vaz, e Agostinho da Costa creados do dito Senhor Jorge Cabral, e moradores em sua casa. E eu Heitor Dias de Magalhães tabalião publico das notas nesta cidade de Lisboa, e seus termos por El Rey Nosso Senhor que este estromento em minhas notas tomei, e dellas o mandei tresladar por licença que para isso tenho do dito Senhor e ho concertei, sobescrevi e assinei deste meu publico sinal que tal hé = Logar do sinal pu­blico= Cartorio do Convento da Esperança, e por copia no Conven­to de Lisboa, Armario 2º. casa 2ª. Noticias dos Archivos.
(12) - Estudou este prelado no Collegio de S. Miguel em a Universidade de Coimbra, sendo confirmado na Cadeira Episcopal da Guarda por Julio III em 1553. Foi muito aceite do Senhor Rey D. Sebastião, e depois de sua morte teve alguns desgostos com o Cardeal Rey, e com El Rey Philippe II de Castella. Seguio as partes do Senhor Dom Antonio nas alterações da monarchia, contra El Rey Dom Philippe, que tomando posse de Portugal obrigou a este Prelado a andar escondido, e refugiado  muitos tempos; até que sendo prezo, e levado a Madrid foi sentenceado e deposto do Bispado, e encarcerado em um Mosteiro, ahonde falleceo. Por este tempo foi elleito Bispo Egitaniense Fr. Simão Henriques, Religioso Capucho, que não aceitou, mas sendo ainda vivo o Bispo D. João de Portugal entrou na Igreja da Guarda D. Manuel de Quadros em 1586, o que lhe foi censurado =Chronologia dos Bispos da Guarda, de Belchior de Pina da Fonseca.
(13) - Titulo dos Estatutos = Constitutiones in coenobio Divae Mariae Spei, factae per Reverendissimos Patres Ordinis Poenitentiae, Recundisoinum Pa­trun Provincialem Fratum Franciscum Passionis Provincialem que ejusdem or­dinis, Et per Ministros, ac Definitores, septimo die Martir anno milesimo quingentesimo octogesimo quarto.
(14) - No fim destas memórias vai a Bulla de confirmação destes Estatutos pelo Cardeal Protector de Medicis.
(15) - Certifico eu Antom de Proença, tabalião pubrico do judicial nesta villa de Belmonte, e seu termo por El Rei Nosso Senhor que é verdade que no con­vento de Nossa Senhora da Esperança junto à vila de Belmonte da Ordem da Penitencia da Ordem de S.Francisco, sendo presente o muito Reverendo Pe. Fr. Paulo da Maya ministro provincial da dita ordem e sendo outrossim pre­sente o Pe. Fr. Filipe de Santiago, ministro do dito convento, dentro da Sã­cristia do dito convento o Pe. Fr. Gabriel de Brito, procurador geral da dita ordem, por ele dito Padre Fr. Gabriel foram entregues em presença de mim tabalião ao Pe. Ministro, vinte e tres Reliquias de Santos Martires: a S. vinte e duas de muitos martires do cemitério de Santo Calepodio e uma de S. Esperança martir do cemitério de S. Calisto, as quais ficam no dito convento entregues ao dito padre ministro, juntamente com dois estromentos pubricos, escritos em pergaminhos com seus selos pendentes .... Apostolicos da Curia Romana, escritos em latim, e juntamente um Breve do Papa nosso Senhor cremente outavo sob annulo Piscatoris. E por passar na verdade, e me ser pedida esta a dei bem e na verdade. Oje cinco dias do mez de Julho do anno de quinhentos e noventa e sete anos: e a assinei de meu pubrico sinal que tal é = De Graça = Logar do sinal publico = O original no cartorio do convento da Esperança = e por copia no cartorio do Convento de Lisboa. Armario 2º. Noticias extraidas dos_Arquivos.
(16) - Dom Philippe por graça de Deus Rei de Portugal c dos Algarves daquem e dalem mar em Africa Senhor da Guiné etc. Faço saber que havendo res­peito ao que na petição atraz escrita dizem o ministro e mais Religiosos do convento de N. Senhora da Esperança da Terceira Ordem da Penitencia, junto à vila de Belmonte, e visto o que alegam Hei por bem e me praz que asy na dita vila de Belmonte como nos mais lugares vizinhos se lhes dê a carne que lhe for necessária para o dito convento por seu dinheiro. E mando às justiças e oficiais a que o conhecimento disto pretencer e Esta provisão for mostrada que lhes façam dar com efeito a dita carne como acima é declarado e a cumpram e guardem inteiramente como nela se contem. El Rei nosso Senhor o mandou pelos Doutores Jeronimo Pimenta de Abreu e Antão dá Mesquita, ambos do seu conselho e seus desembargadores do Paço Antonio de Morais a fez em Lisboa a dezoito de Fevereiro de 1627. Gaspar da Costa a fez escrever = Jeronimo Pimenta de Abreu = Antão da Mesquita. Cartorio do convento de Lisboa. Armario 1º. Casa 4ª. Maço lº. Num. 4 Documento 1º.
(17) - Eu El Rei faço saber aos que este Alvará virem que o Provincial e Re­ligiosos do Convento de Nossa Senhora de Jesus da Terceira Ordem de S. Francisco, sito extra muros desta cidade de Lisboa, que enviaram dizer por sua petição que na vila de Belmonte, bispado da cidade da Guarda, estava um convento da dita ordem da lnvocação de Nossa Senhora da Es­perança, os Religiosos do qual costumavam havia muitos anos pregar na dita villa, o que faziam com satisfação: e porque ora se pretendia por parte de alguns particulares tirar-lhe a esmola que a Camara daquela vila dava pelas ditas pregações, me pediam lhes mandasse passar provi­são para que se lhes não tirasse a dita esmola e se lhes continuasse com ela; porque alem de que os ditos Religiosos pregavam com satisfação do povo, e nela o serviam tambem em todas as ocasiões, que se lhe ofere­ciam. E visto o seu requerimento e informação que se houve pelo provedor da comarca da cidade da Guarda, ouvindo os oficiaes da Camara da dita vila que respondeu que havião dar aos Padres a esmola dos seis mil reis como até agora derão pelas ditas pregações em cada hum anno e o mais que da informação do dito Provedor constou e o seu parecer; Hei por bem e me apraz que a esmola dos seis mil reis que até agora se lhes deu das rendas da Camara pelas ditas pregações se lhes dê em cada hum anno, daqui em diante não entrando nisso a minha terça, satisfazendo eles com os sermoes da quaresma na forma, que até agora fizerão. Pelo que mando aos oficiaes da Camara da dita villa, que ora são e ao diante forem lhes fação bom pagamento da dita esmola, cumprindo elles com sua obrigação; e o Provedor da comarca a leve em conta e as mais justiças a quem o conhecimento disto pertencer, cumprão este alvará inteiramente como nele se contem o qual será registado nos livros da Camara da dita vila, e valerá como carta, sem embargo da Ordena­ção em contrario. Pedralves a fez em Lisboa a vinte de Agosto de seiscentos e desanove = Manuel Fagundes a fez escrever = Rey = Diogo de Castro = Original no cartorio do Convento da Esperança.
(18) - Carvalho Corografia Portuguesa Tom. 2º. pag.415.
(19) - D. Anton. Caet. de Sousa. Grandes de Portugal, pag.455. Carvalho na Corografia Portuguesa escreve ser camareiro mor do Infante D. Duarte.
(20) - Archiv. Real da Torre do Tombo. Liv.32 da Chancelaria do dito ano, fls.14.
(21) - Por este por mim feito e assinado digo eu D. Luiz Lobo da Silveira que fa­zendo os Padres de S. Francisco da Terceira Regra da Penitencia um mosteiro na minha vila de Sarzedas, o qual sempre será assistido por doze frades, lhe dou o meu pomar de minha dita vila, para poderem edificar e assim lhe darei mais mil cruzados em quatro anos para edificarem o dito mosteiro; e alem disto edificarei mais a capela mór à minha custa e a ornarei: e anexa­rei logo que ao dito mosteiro por um Breve de Sua Santidade a capela de Mar­tim Afonso, digo a Capela do Senhor meu visavou, e assim procurarei que se anexe ao dito mosteiro a capela de Martim Afonso que está na dita vila com tal condição que eu serei Padroeiro do dito mosteiro e me dirão a missa do dia quotidiana para a qual deixarei mais um meu morgado dez mil reis de renda para sustentação dos ditos frades, que serão aplicados no modo que sua Regra o poder sofrer e per milhor. E por verdade de querermos isto as­sim, assinamos aqui, e Dona Joana de Lima minha mulher; e sendo havlda a licença ordinaria, e a de sua magestade faremos as escritura firme e valio­sa e não terá o escrito mais força que para me obrigar a fazer a dita escritura. Feito e assinado por nós em Lisboa, hoje seis de Agosto de mil e seiscentos e tres anos =D. Luiz Lobo da Silveira= Dona Joana de Lima = Car­torio do Convento de Lisboa. Armario 1º Casa 6ª. Pasta 1º Num. 1º. Documento 2.

Fonte - Bibl. da Acad. das Ciencias de Lisboa. Cod. 224 Vermelho


http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2011/09/covilha-pedro-alvares-cabral-e-belmonte.html

sábado, 20 de dezembro de 2014

Covilhã - Memoralistas ou monografistas XIII

   Continuamos hoje a publicar os monografistas da Covilhã, começando com algumas reflexões de Luiz Fernando Carvalho Dias já publicadas neste blogue.
        
“Convém enumerar os autores de monografias da Covilhã, os cabouqueiros da história local, aqueles de quem mais ou menos recebi o encargo de continuá-la, render-lhes homenagem pelo que registaram para o futuro, dos altos e baixos da Covilhã, das suas origens, das horas de glória e das lágrimas, dos feitos heróicos e de generosidade e até das misérias dos seus filhos, de tudo aquilo que constitui hoje o escrínio histórico deste organismo vivo que é a cidade, constituído actualmente por todos nós, como ontem foi pelos nossos avós e amanhã será pelos nossos filhos. […]
Para a Academia Real da História, no século XVIII, destinada ao primeiro dicionário do Padre Luís Cardoso, escreveu o prior de São Silvestre, Manuel Cabral de Pina, a monografia mais completa dessa época, que constitui um trabalho sério, no sentido de que é possível hoje referenciar quase todas as suas fontes. O Padre Pina, que frequentou um ano a Universidade de Coimbra, era natural do concelho de Fornos de Algodres e colheu muitos elementos para a sua monografia nas cópias do Arquivo da Torre do Tombo existentes na Câmara e nos livros paroquiais."


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      Pelas leituras que temos feito podemos concluir que o texto que estamos a apresentar - Monografia de o Padre Manuel Cabral de Pina - não é o original. Trata-se de uma cópia, pois constatámos que ao longo da monografia aparecem, por vezes, frases entre parêntesis e até com letra diferente feitas por alguém que, em época posterior, pretendeu incluir no texto original dados mais recentes. Num dos casos chega-se a datar: "...Esta nota se fez em 1850".
"O original perdeu-se no Terramoto. A cópia que possuo é dos princípios do séc. XIX, mas posterior às invasões Francesas. Cedeu-me um exemplar o Ex.mo Senhor Artur de Moura Quintela... O questionário que lhe serviu de base é diferente daquele que foi enviado aos párocos, depois do Terramoto de 1755." (1)

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Rio Zêzere - Ponte Pedrinha
Fotografia de Miguel Nuno Peixoto de Carvalho Dias



O início do Título 3º

Título 3º
O que se procura saber do rio desta terra é o seguinte:
1º.
O rio desta vila da Covilhã se chama Zêzere e nasce nas raízes do Cântaro Delgado, no alto da Serra de Estrela, como fica dito acima,no titº  2, nº 11.
2º.
Não nasce logo caudaloso mas faz-se no decurso da sua carreira com as muitas ribeiras que nele  entram.
3º.
Não entram neste rio outros rios porem entram muitas ribeiras, relatadas acima, no titº 2, nº. 4. e nos outros sítios que se referem. Entra mais nele, à vista desta vila, a ribeira, chamada de Alvares; que é caudalosa e se compõe de duas ribeiras que correm pelos lados do lugar de Caria, distintas, e ao depois se juntam em uma só. Entra mais nele, por baixo do lugar de Alcaria, outra ribeira notável e tão caudalosa que se pode chamar rio e se chama Meimoa a qual tem duas pontes de cantaria, uma ao pé do lugar da Capinha e outra no caminho do Fundão. Entra mais nele a ribeira do Castelejo.
4º.
Não é navegável como abaixo se dirá no nº 14.
5º.
É de curso arrebatado quasi em toda a sua distância e somente, desde as partes da vila de Belmonte até ao lugar de Silvares, corre com mais socego.
6º.
Fica respondido no titº 2, nº 3.
7º.
Emquanto corre dentro da serra é abundante de trutas que são excelentes; fora da serra é abundante de bogas e barbos e em alguns pegos altos se pescam barbos de dez, doze e quinze arráteis e outros ainda maiores.
8º.
Em todo o tempo do ano há nele pescaria mas mais frequente no Verão.
9º.
Em todo o rio são livres as pescarias.
10º.
As suas margens se cultivam em algumas partes como é desde a vizinhança do lugar de Aldeia de Mato até ao lugar de Silvares. Em várias partes tem árvores silvestres.
11º.
Não há que responder a este interrogatório.
12º.
Sempre conserva o seu nome desde o princípio até ao fim.
14º. (sic.)
Este rio, quazi até ao fim, não pode ser navegável por não ter abundância de águas que baste para a navegação. Ainda que a tivera quazi em todas as partes não podia ser navegável por correr muito precipitado e por sítios despenhados aos quaes a indústria humana não podia emendar, como é o célebre sítio da Ponte do Cabril que se descreverá no número seguinte.
15º.
Tem três pontes de cantaria: uma junto da vila de Valhelhas e outra de fronte desta vila da Covilhã, em distância de uma pequena légua, chamada Ponte Pedrinha, que é antiquíssima e de bastante comprimento pois tem dez olhaes. A terceira ponte é chamada Ponte do Cabril, fica fora do termo desta vila da Covilhã, entre as povoações do Pedrógão Grande e de Pedrógão Pequeno. Esta ponte é muito curta, só tem três olhaes e os dois dos lados só servem nas cheias porque regularmente toda a máquina grande das águas que alí leva o rio passa pelo olhal do meio. Conta-se que, na maior cheia que houve, chamada real, não cobriu a água os cortamares. A causa de ser tão curta e alta é estar entre dois montes, tão unidos um ao outro que por elevação se chega um ou outro com um tiro de bala. No cimo deles teem uma légua de distância entre eles, na descida e na subida. No fundo deles, onde está a dita ponte, corre o rio e é o lugar tão estreito que, antes de se fundar a tal ponte, se passava por um pontão de pau de um só olhal que estava estribada nos dois pedestaes, que ainda existem. Verdadeiramente se não pode averiguar a total altura desta ponte porque, como o sítio é tão estreito, levantam as águas muito acima e não deixam ver o fundo do tal sítio. Os moradores contam que os mestres na feitura da ponte ainda lhe furtaram treze palmos na altura, conforme se vê nos apontamentos dela. Este sítio da ponte é horrível e medonho e tão precipitado e inclinado que correm as águas com notável violência de sorte que fazem grande estrondo e não dão lugar a se poder alí passar em qualquer tempo.
Tem mais este rio várias pontes de pau e duas para as partes da vila de Manteigas, dentro da serra, outra de fronte desta vila, em distância de uma légua onde chamam Alvares que por isso se chama tambem Ponte de Alvares. Por cima desta tinha mais outra que caiu e só existem os pedestaes em que estava estribada.
16º.
Para as partes do lugar de Aldeia de Mato tem este rio vários moinhos e tem mais uma azenha de moer pão ao pé do dito sítio de Alvares. Tem, no lugar do Barco, termo desta vila, um lagar de azeite.
17º.
Não há que responder a este interrogatório.
18º.
Nas arcas deste rio se tira e se tem tirado algum ouro.
19º.
Os povos usam livremente das águas deste rio para a cultura dos campos nem consta que pagassem pensão alguma.
20º.
Não há que responder a este interrogatório.


Covilhã, 22 de Março de 1734.

O prior da igreja de S. Silvestre.


a) Manuel Cabral de Pina. 
(FIM)
O final da Monografia
Nota dos editores 1) Dias, Luiz Fernando Carvalho, "Frei Heitor Pinto (Novas Achegas para a sua Biografia)", Coimbra, Biblioteca da Universidade, 1952.

Estatística baseada na lista dos sentenciados na Inquisição publicada neste blogue:

Publicações neste blogue sobre os monografistas covilhanenses:
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/11/covilha-memoralistas-ou-monografistas.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/10/covilha-memoralistas-ou-monografistas-xi.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/08/covilha-memoralistas-ou-monografistas-x.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/06/covilha-memoralistas-ou-monografistas-ix.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/05/covilha-memoralistas-ou-monografistas.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/03/covilha-memoralistas-ou-monografistas.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/01/covilha-memoralistas-ou-monografistas-vi.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2013/12/covilha-memoralistas-ou-monografistas-v.html

sábado, 13 de dezembro de 2014

Covilhã - Os Ventos do Liberalismo/Os Ventos do Miguelismo IV

  
O século XIX é um período de grandes transformações políticas, económicas e sociais. As ideias liberais fervilham por todo o mundo, opondo-se ao absolutismo vigente.
 Encontrámos no espólio e nas publicações de Luiz Fernando Carvalho Dias alguns documentos que nos elucidam que na Covilhã também se viveram momentos revolucionários e contra-revolucionários. Houve muito descontentamento, reuniões secretas da maçonaria ou doutras associações (“sociedades denominadas patrioticas”), prisões, exílios, mortes, quer de miguelistas, quer de liberais constitucionalistas ou cartistas. Que miguelistas? Que liberais?

Os documentos que estamos a apresentar sobre a Covilhã acompanham a guerra civil que os portugueses viveram ao longo de várias décadas do século XIX: a Vilafrancada miguelista em Maio de 1823; a Abrilada em Abril de 1824, cuja derrota obriga D. Miguel a abandonar o país; a morte do rei D. João VI em Março de 1826 e o início da Regência da Infanta Isabel Maria; a Carta Constitucional outorgada por D. Pedro que se encontrava no Brasil, o 1º Imperador; a abdicação de D. Pedro em sua filha, Dona Maria da Glória, como Dona Maria II; o regresso de D. Miguel em 1828 e o país virado do avesso.
 Todas estas divergências e dúvidas parecem ficar esclarecidas quando D. Miguel, ao regressar de Viena em 1828, é aclamado Rei absoluto. Contudo há focos de oposição por todo o país, desde a Covilhã, passando por Aveiro, Faro, Porto e Coimbra. Aqui aconteceu um facto insólito e triste, quando uma comitiva foi a Lisboa em nome da Universidade saudar o rei D. Miguel e foi apanhada perto de Condeixa por um grupo de estudantes, os Divodignos, pertencentes a uma sociedade secreta de cariz liberal. Mataram e feriram a tiro aqueles miguelistas. O governo miguelista vai ser fortemente repressivo e persecutório, originando julgamentos, mortes e muita emigração de liberais para Inglaterra e Açores. Será pertinente fazermos referência ao que podemos chamar miguelismo, uma espécie de sebastianismo negro?
Oliveira Martins apresenta números da repressão miguelista: nas prisões 26270; deportados para África 1600; execuções 37; julgamentos por contumácia 5000; emigrados 13700. Segundo Vítor Sá foi considerada culpada à roda de 15% da população. Há ainda outros números: cerca de 80000 famílias, cujos bens foram confiscados.

Honoré Daumier - Caricatura de D. Pedro e D. Miguel (1833)

A oposição liberal manifesta-se e centra-se no Porto, desde que D. Miguel é aclamado rei absoluto. Os absolutistas liquidam estes revoltosos que, no entanto, se vão conservar vivos, mas longe, no estrangeiro europeu e na Ilha Terceira (Açores). 


Roque Gameiro - Desembarque dos Liberais no Mindelo

A fim de defender o trono de sua filha Dona Maria, virá ter com eles D. Pedro, o IV e o 1º Imperador do Brasil. Para combater os 80000 soldados miguelistas, consegue juntar mais de 7000 soldados que irão encontrar-se várias vezes numa triste guerra civil entre 1832 e 1834 que só termina com a Convenção de Évora Monte (1834). Enquanto uns combatem, outros legislam: Mouzinho da Silveira lidera o primeiro Ministério liberal promulgando reformas económicas, sociais, fiscais, administrativas e judiciais.
Só a Convenção de Évora-Monte (1834) e o início do reinado de Dona Maria II procuram sanar a ferida imensa que grassa no País.


******
            “Ill.mº e Ex.mo Snr.

            Levo ao conhecimento de V. Ex.ª que na manhã do dia 21 do corrente apareceu cortado e feito em pedaços junto da capela da Senhora do Carmo nas imediações do lugar do Teixoso deste termo, um mastro que no mesmo sítio os habitantes daquele lugar tinham arvorado para memória do seu júbilo e satisfação pela feliz e venturosa aclamação de El-Rei N. S. que Deus guarde: não apareceu a bandeira deste mastro que continha as Armas Reais e a Legenda = Viva El-Rei o Senhor D. Miguel Primeiro=
            Por este acontecimento estou procedendo a devassa e do resultado darei parte a V. Ex.ª

            Deus guarde etc.

            Covilhã 30 de Março de 1829

            Ill.mo e Ex.mo Snr. Intendente etc.

                                                                                  O Juiz de Fora
                                                                            Jerónimo Moreira Vaz

As rebeliões continuam:

Illmo e Ex.mo Snr.

            Levo ao conhecimento de V. Ex.ª as relações dos culpados neste juizo por crimes de Lesa Magestade e Rebelião.
            Deus guarde etc.
            Covilhã 11 de Abril de 1829

Illmo e Ex.mo Snr. Intendente 

                                                                       O Juiz de Fora
                                                               Jeróniomo Moreira Vaz


Reus que se acham culpados no Juizo geral desta Vila da Covilhã no Cartório do Escrivão António Teixeira de Mendonça, a saber

Por Crime de Rebelião

Joaquim António Clementino Maciel  da Covilhã (remetido para a cadeia do Limoeiro)

Por Crime de Leza-Magestade

Miguel António Dias - da Covilhã
Manuel Lopes Raposo – dito
Maria Mangana, mulher de José Pessoa – dito
Vicente Carlos – do Teixoso
António Gabriel Pessoa d’Amorim – da Covilhã (estes dois remetidos para a Praça de Almeida)
António Pessoa d’Amorim – dito
Manuel Pessoa d’Amorim – da Covilhã
Joaquim, António e Simão, filhos do dito Manuel Pessoa – dito
Pedro vaz de Carvalho – dito
Manuel Maria Barbas – dito
António José de Sampaio – dito
António Pessoa e Daniel Pessoa, filhos de Daniel Pereira da Silva Amorim – dito
Antonia Parra, vendeira – dito

            Covilhã 11 de Abril de 1829
         António Teixeira de Mendonça


Relação dos Reus pronunciados por crimes de Rebelião e de
Leza-Magestade, no meu cartorio, o que consta do competente
relatorio

Lesa-Magestade
- O Dr. Manuel António Leal Preto de Lima Castelo Branco, do lugar do Dominguiso (natural do Telhado e morador no Dominguizo), preso na praça de Almeida
- José Augusto de Lima Castelo Branco, filho do sobredito, id.
- O P.e Manuel Alves Pades, natural da Boidobra e cura que foi do Dominguiso – id
- Aires Candido filho do sobredito Dr. Manuel Antonio – ausente
Manuel Monteiro Pombo, do lugar do Teixoso – id.
- José António do Vale, do dito lugar do Teixoso, preso em Covilhã

            Covilhã 11 de Abril de 1829
                           O Escrivão
              Roque José Rodrigues Soares

******

“Ill.mº e Ex.mo Senhor

            Levo ao conhecimento de V. Ex.ª que em denuncia formal dada neste juizo da Covilhã pelo P.e Francisco Lopes Luiz, prior de Vila de Caria, deste distrito crime (sic) contra nove individuos da mesma Vila arguindo-os de crimes de Lesa-Magestade e ditos de rebelião, ficaram pronunciados e obrigados a prisão e livramento e seus bens sequestrados os constantes da relação inclusa; e o processo foi dirigido a Alçada da cidade do Porto.
           
            Deus guarde etc.

            Covilhã 1 de Agosto de 1829

            Ill.mo e Ex.mo Snr. Intendente etc.

                                                                                  O Juiz de Fora
                                                                            Jerónimo Moreira Vaz

Relação das pessoas que se acham culpadas no meu cartorio pela denuncia dada pelo P.e Francisco Lopes Luiz, prior da Vila Civel de Caria, a saber:

            - O P.e António Antunes Ramos, da Vila de Caria
            - Joaquim da Silva, porta-bandeira do Regimento de milícias de Idanha-a-Nova – dito
            - Luiz Rei da Cunha – dito
            - Domingos Pinto de Gouveia – dito
            - Gregório Pinto de Gouveia – dito

            Covilhã 1 de Agosto de 1829

                                                                                              O Juiz de Fora
                                                                                        Jerónimo Moreira Vaz

******

            “Ill.mº e Ex.mo Snr.

            Levo ao conhecimento de V. Ex.ª a cópia do oficio que o General desta Província, em data de 29 de Agosto último, me enviou acerca dos pasquins que apareceram nesta Vila da Covilhã e lugar do Teixoso, na manhã do dia 27 do mesmo mês, de que dei parte a V. Ex.ª e ao mesmo general naquele dia 27.
            Pelas exactas devassas e mais deligencias a que procedi por este assunto, nada pude coligir àcerca do seu autor, como participei a V. Ex.ª em 18 de Outubro último. E como autoridade conhecedora e sindicante deste objecto e que observo a perfeita ordem e tranquilidade que reina neste distrito devo dizer a V. Ex.ª que o dito general faz uma grande injustiça aos fiéis vassalos de S. Mag. moradores nesta vila, quando os denomina anarquistas: e outra igual quando lhes atribui a formalização daqueles infames pasquins.

           
            Deus guarde etc.

            Covilhã 21 de Novembro de 1829

            Ill.mo e Ex.mo Snr. Intendente etc.

                                                                                  O Juiz de Fora
                                                                            Jerónimo Moreira Vaz

Cópia

            Tenho recebido participações oficiais de que na madrugada do dia 27 do corrente apareceram pregados em alguns sítios dessa vila e no lugar do Teixoso infames pasquins em que se ataca a sagrada pessoa de El-Rei N. S.. V. S.ª sem duvida por obrigação do seu cargo, terá procedido a devassa. Restando-me por isso só recomendar a V. S.ª todo o trabalho e deligencia para se vir no conhecimento dos autores de tão infames papeis; pois sou informado que não sendo já desconhecido que nessa vila existe uma facção de anarquistas que querendo encobrir suas maldades com o nome de Realistas, pretendem não só dirigir os negócios públicos e particulares dessa vila mas mesmo os do Ministerio de S. Mag.e mostrando-se pouco satisfeitos com as decisões que se teem tomado em benefício público e pretendendo que tudo se dirija segundo as suas mal intencionadas vistas e particulares interesses, tornando-se assim os mais acérrimos anarquistas, e inimigos de S. Magestade; mais perigosos por isso porque teem tomado o nome de Realistas.
            Tendo-se-me insinuado que a opinião pública / que é só a dos homens de bem / nessa vila se encaminha toda contra alguns dos ditos anarquistas, fingidos realistas, que designam como autores de tais pasquins, tornando-se por isso de maior precisão que se descubra a verdade e os autores para serem punidos segundo merecem, e se não confundir o inocente com o culpado, e sendo preciso aí mandarei a essa vila ou ao lugar do Teixoso outro ministro para que coadjuvando V. S.ª tire tambem outra devassa e assim melhor se possa descobrir os criminosos.

            Deus guarde a V. S.ª
           
            Quartel General em Castelo Branco
            29 de Agosto de 1829
            Senhor Jerónimo Moreira Vaz

            P. S. – Depois deste feito recebi o ofício de V. S.ª com a mesma participação dos pasquins e só tenho a acrescentar que se V. S.ª vir perigo à segurança pública me avise para eu dar e tomar aquelas medidas que exigirem as circunstancias e a obrigação do meu cargo para a manutenção da ordem e tranquilidade da provincia.

                                               Visconde de S. João da Pesqueira
                                                           governador das Armas 

As Publicações do Blogue: 
Publicações no blogue sobre este assunto:
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/10/covilha-os-ventos-do-liberalismoos_26.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/09/covilha-os-ventos-do-liberalismoos.html
http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2014/07/covilha-os-ventos-do-liberalismoos.html 


sábado, 6 de dezembro de 2014

Covilhã - Inquéritos à Indústria dos Lanifícios XXX-XXVIII

Inquérito Social XXVIII

     Continuamos a publicar um inquérito social “Aspectos Sociais da População Fabril da Indústria dos Panos e Subsídios para uma Monografia da mesma Indústria” da autoria de Luiz Fernando Carvalho Diasrealizado em 1937-38.

   Hoje começamos a apresentar alguns "documentos históricos" incluídos na 2ª parte deste Inquérito. O primeiro é o Regimento de 1690.
O Regimento dos Panos que vamos divulgar foi publicado pelo Doutor Valério Nunes de Morais, no ano de 1888 no jornal “Correio da Covilhan”; faz parte da sua “Memoria Historica Ácerca Da Industria De Lanificios Em Portugal” (1)

Pequena parte da Memória apresentada em "folhetim" no "Correio da Covilhan"

Recordemos a opinião que Luiz Fernando Carvalho Dias já veiculou neste mesmo Inquérito (2ª Parte):
“O Regimento de 1690, nos seus 107 capítulos, adaptou às novas necessidades da indústria o velho Regimento de D. Sebastião, que vigorava desde 1573. Para a elaboração do regimento ouviram-se todas “as pessoas inteligentes e de confiança” e “os povos e as camaras das terras” onde se fabricavam os panos, como era costume numa monarquia onde o Cesarismo era uma palavra desconhecida no vocabulário político, procurando ter sempre em vista e harmonia o interesse dos concelhos com o interesse superior da Corôa, representante máxima do interesse da república.
 A indústria representa para os concelhos uma enorme riqueza social pelos braços que emprega e material pela melhoria de vida a que leva às populações. Para o Reino, os lanifícios nacionais significavam uma barreira à evasão do ouro, dispensando a entrada de panos estrangeiros. Embora a indústria nacional os não batesse em qualidade, eles não envergonhavam o país, de tal sorte que D. Luiz da Cunha foi a Londres vestido de bom pano da Covilhã. Com intuitos de protecção à Indústria, publicaram-se várias pragmáticas para obrigar os naturais a vestirem-se de pano fabricado no reino. O Regimento revelou o intuito de melhorar e regular o fabrico das fazendas. Não se esqueceu nele o mínimo promenor: durante a tosquia a lã devia ser separada de tal forma que, a que era considerada superior na ovelha, era aplicada aos melhores tecidos. Com o fim de obrigar o tecelão a cumprir o Regimento, na fabricação do tecido, levando-o a empregar nele toda a deligência e saber, criaram-se marcas individuais, para distinguir os panos deste e daquele; cada qualidade de pano tinha a sua marca respectiva, para acautelar o público e diminuir os enganos entre os mercadores; cada terra chancelava também os seus panos, para criar brios entre elas; regulou-se o emprego das tintas e os meios de as aplicar; as falsificações puniam-se com multas e quando contivessem matéria criminal, a pena era de degredo por dois anos, para as partes dalém; regularam-se as funções de cada mester; o fabrico ficou sujeito à fiscalização do vedor dos panos e à competência jurisdicional do Juiz de Fora.”

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REGIMENTO (de 1690)

Da Fábrica de Pannos em Portugal

            Eu El-Rei faço saber aos que este Regimento virem, que considerando Eu o muito que importa a meu serviço, e bem dos meus Reinos que os panos, que neles se obram sejam feitos na conta e perfeição que devem ter, por evitar os enganos e falcidades, com que até agora se faziam, em menos credito, e reputação da Fabrica dêles, ao qual prejuiso sou obrigado a acudir com maior razão no tempo presente, em que fui servido proibir o uso dos panos extrangeiros; e sendo informado, que o Regimento que o Senhor Rei D. Sebastião mandou dar à Fábrica dos panos dêste Reino no de 1573 se não guardava, e que desta omissão procedia serem os panos mal obrados, e falcificados, assim na conta dos fios, e larguras como na impropriedade das tintas, e em tudo o mais, de que depende a sua verdadeira composição; e precedendo outro sim todas as informações necessarias, que sobre esta materia mandei tomar por pessoas inteligentes e de confiança, e ouvidos os povos, Camaras das terras principaes deste Reyno onde há fabricas de pannos, examinando o dito Regimento antigo sobre as preposições, e respostas, que sobre este particular deram as ditas Camaras, e Povos, e sendo tudo visto, e ponderando com atenção, que o caso pede, pelos Ministros do Concelho de minha Fazenda, acentei com o seu parecer que o dito regimento antigo se cumprisse, e guardasse, assim como é disposto até ao capitulo 96.
            Tendo outrosim em consideração, que no dito regimento não está provido o que baste, segundo o requer a mudança e variedade dos tempos e conforme a experiencia, que depois se teve do que melhor convinha, querendo tambem prover nesta parte, como cumpre ao bem dos meus Vassalos e dar ordem como a dita fabrica se estabeleça com a maior perfeição, e verdade, fui servido mandar acrescentar mais onze Capitulos ao dito regimento, que uns e outros hey por bem, e mando que da’qui em diante se cumpram, e guardem inteiramente e pelo modo e maneira seguinte:

Capitulo I

Como se apartarão e escolheraõ as lãs antes de serem lavadas tintas e da qualidade dos panos, que se hão de fazer de cada uma delas

            Primeiramente, antes que as lãs de que se houverem de fazer os panos, sejam lavadas, e tintas, se apartarão as sortes delas, para que as lãs de cada sorte vão em seu lugar, e o vello da lã se estenderá e escolherá em um caniço, ou meza, e depois de escolhido se lhe contarão as fraldas, as quais se deitaram em orelos, não entraram em panos, e depois de tiradas as tais fraldas, se cortaram tres dedos ao comprido, e da largura do velo, e das lãs desta primeira sorte e se farão os panos mais baixos Dozenos: e cortando logo outros tres dedos mais acima pelo comprimento, e pela largura do mesmo velo, será esta segunda sorte para os segundos panos, que serão Quatorzenos e Sexenos: e cortando depois a mais cadeira do velo em todo o lombo até ao pescoço, deixadas as ilhargas à parte, será esta terceira sorte de lãs para a terceira sorte de panos, que serão os Dezochenos e Vintenos, e as ilhargas ficaram para a quarta sorte de panos maiores, que são os Vinte-dozenos, e Vinte-quatrenos: e porem sendo o velo tão fino, que possa servir em todas as sortes, em tal caso o deitarão no logar que parecer melhor caberá, onde fôr necessario; e sendo tão basto, que não servia mais que na primeira, ou na segunda sorte, se deitará em seu lugar, tendo em tudo respeito à fineza e bondade da lã, e os panos de todos os velos não serviram senão na sorte primeira, e panos mais baixos.

Capitulo II

Da maneira que se lavarão as lãs


            Toda a lã tinha um anil, ou em outra qualquer côr, em que seja tingida, se lavará duas vezes em aguas claras, e correntes; e a que se houver de lavar em branco, será escaldada primeiro em agua quente, pizando-se bem, e lavando-se depois em agua clara, sob pena de qualquer pessoa, que assim não o fizer e cumprir, e de outra alguma maneira obrar as ditas lãs, pagará quinhentos reis, metade para o Védor dos panos, e outra metade para quem o acusar.

Capitulo III

De como as lãs serão escarduçadas

            Tanto que as ditas lãs forem lavadas pela dita maneira, e enxutas, serão escarduçadas muito bem, e as não azeitarão na carduça, nem antes de serem escarduçadas, e qualquer pessoa que as azeitar na carduça, ou não fizer das tais lãs obras muito boas, pagará quinhentos reis pela primeira vês, e pela segunda mil reis, e da cadêa, 1º metade para o Védor, e a metade para o denunciante.

Capitulo IV

Que os Escarduçadores, e pessoas que fizerem panos, não piquem nem cortem lã alguma.

            Todos os escarduçadores, e pessoas que fizerem panos, serão avisados, que não piquem, nem cortem lãs algumas, e quem as picar, ou cortar para deitar em pano, e não para orelos, incorrerá na pena de dois mil reis além da pena, e coima que merecer em que tambem incorrerá pela falcidade, que nisso faz, a qual pena de dinheiro será por isso mesmo para o Védor do oficio, e para quem o acusar.

Capitulo V

Da maneira em que os Cardadores hão de cardar as lãs, e as cardas que para isso hão de ter.

            Depois das ditas lãs serem cardadas, o cardador, as expedeçará em pedaços muito miudos, e as azeitará em volta, e não as comporão na carda, deitando na dita lã o azeite necessario, segundo a côr e a fineza dela, e tanto que assim fôr azeitada, a cardarão fundindo-a muita bem ao emborrar, e não a cardarão com cardas de redondo, nem imprimirão senão com cardas de desbarbado, salvo se forem frizas e panos de vara, fazendo pastas muito delgadas sem buraco; e o dito Védor dos panos terá o especial cuidado de visitar os ditos Cardadores, para que não cardem com cardas vencidas, e fassam boa obra, e não imprimirão lã alguma para dezochenos, e daí para cima, senão a duas voltas bem assentadas, e daí para baixo uma volta, e não poderão imprimir com cardas de viagem, salvo nos ditos panos de varas; e quem o contrário fizer, pagará pela primeira vêz duzentos réis, e pela segunda quatrocentos réis para o Védor dos panos, e acusador.

Capitulo VI

Que pessoa alguma que fiar lãs, não as possa vender no logar donde for morador, e como se hão de fiar.

Pessoa alguma que fiar lãs, não as poderá vender fiadas, por si ou por outrem, no logar onde fôr morador, nem fóra dêle, sob pena de quatrocentos réis, tambem cadeia, em que será castigada pela primeira vez, e pela segunda pagará oitocentos réis, tambem da cadêa, e será castigada como merecer; e o fiado que assim fizer será tão igual ao principio como no fim, sendo as urdiduras bem torcidas, e delgadas e as teceduras bem delgadas, e torcidas, e fazendo-se o tal fiado a cada lã conforme ao pano para que houver de fiar a dita lã, sob pena de cem réis para o Védor, em que encorrerá qualquer que não fiar a dita lã pelo modo sobredito, além de pagar a perda, e dano, que receber a pessoa que der a fiar a dita lã.

Capitulo VII

Da maneira e modo porque se hão de urdir os panos, e das medidas que hão de ter as urdideiras.

            Sendo os ditos panos fiados, as pessoas cujas forem os urdirão em suas casas, tendo para isso urdideiras de marca, e comprimento ao diametros declarado, ou levarão seus fiados a casa dos tecelães, para que os urdão cada um da conta que fõr e a urdideira não será de menos, nem de mais comprimento que de seis covados e uma terça, que será uma terça, que será um ramo em todo o pano de qualquer sorte que seja; achando-se aos Tecelães, ou outras quaisquer pessoas, urdideiras de mais, ou menos comprimento que de seis covados, e uma terça, o tecelão, ou pessoa que a tiver, pagará pela primeira vêz que nisso incorrer, quinhentos réis, e pela segunda mil reis, da cadêa, a ametade para o Védor, e ametade para quem o acusar.

Capitulo VIII

Dos fins que o pano Dozeno levará a ordir, e da largura que terá o pente em que se tecer, e da pena que haverá o Tecelão que assim o não fizer.

O pano Dozeno levará a urdir mil e duzentos fios, e não menos; e o Tecelão que lhe menos deitar, perderá a valia do pano, e a pessoa cujo fôr o pano, perderá o pano próprio; e o pente em que se tecer terá de largura de fino a fino tres covados e uma sesma, que virá a ser ao todo tres covados, e terça, e levará a tecer, em cada ramo tres arrateis de fiado, e não menos; e o Tecelão não poderá tomar recedura da mão, de cujo fôr o pano, sem primeiro a pezar, e sendo o pente de menos medida, pagará cada vez que lhe fôr achado quatrocentos réis, e o pente lhe será quebrado; e por cada vês que não lhe meter os ditos tres arrateis, e lhe for achado o pano mal tecido, pagará pela primeira vêz quatrocentos réis, e pela segunda vês oitocentos reis, as quaes penas serão para o dito Védor e captivos.

Capitulo IX

Das letras, Marcas e Sinais, que se porão no pano Dozeno ao tecer.

Começando a tecer o pano Dozeno ao principio da amostra dele lhe porá o Tecelão por letras e sinais tecidos, a conta, e marca do tal pano; convem a saber, ao pano Dozeno porá uma cruz, e ao diante dela dois riscos, que quer dizer Dozeno; e assim mais lhe porá um B. para ficar dizendo Barbim, e lhe porá mais a marca do logar, onde o dito pano se fizer, e o ferro, ou sinal do Tecelão, que o tecer: e o Tecelão que deixar de põr estas letras, marcas, e sinais, pagará por cada uma das ditas cousas, que lhe faltar, quatrocentos réis, e pondo-lhe mais, ou menos conta da que pretencer ao tal pano, perderá a valia dêle, além da pena crime, em que tambem incorrerá, por ser caso de falsidade.

Capitulo X

Da pena que terão os Tecelães, que não fizerem obra muito boa, e as enxergas iguais, e outras cousas, que convém à bondade dos panos.

Os Tecelães serão obrigados a fazer muito boa obra, e as enxergas tão igauis na móstra, como na cóla, trazendo o seu tecido muito limpo, e com os fios atados, e não trarão presa alguma vasia dentro do pente, nem farão ouréla, que passe uma mão travessa, dous, nem tres fios, nem paradas em claro na largura do pano, nem carreira ao longo do pano, nem entretesta, borrão, ou fio dobrado da urdidura, ou da tecedura, sob pena que fazendo qualquer destas cousas, pagarão por cada vez que nisso incorrerem quatrocentos réis, para o Védor do ofício; e serão os Tecelães avisados, que não façam enxerga alguma malchacava, e fazendo-a, pagarão pela primeira vez dez cruzados de cadêa, e lhe será dada mais a pena de degrêdo, que merecerem, e pela segunda vês serão degradados por oito anos para um dos lugares de além, e não usarão mais do oficio por ser este caso de falsidade.

Capitulo XI

Dos fios que levará o pano Quatrozeno, e da largura que terão os pentes, e do fiado que levará a tecer, e sinais que terá.

O pano Quatrozeno levará a urdir mil e quatrocentos fios, e o que menos levar se perderá na maneira que fica dito do pano Dozeno, e conforme ao capitulo acima, que nêla fala; e o pente, em que se tecer o dito pano terá de largura de tres covados, e terça de fino a fino e de orélas, ou cada um quizer, contanto que não tenha menos de dezasseis fios de cada parte, e levará a tecer em cada um ramo tres arrateis e meyo, e as marcas, contas, sinais serão pela primeira do pano Dozeno, pondo-lhe mais dois riscos na conta além da cruz, para serem quatro riscos, e com isso se conhecerá que são Quatrozenos, e nesta parte se guardará a ordem declarada no dito Capitulo, que se trata do modo em que hão de fazer os panos Dozenos, e os transgressores incorrerão nas penas dêle.

Capitulo XII

Dos fios que levará a urdir o pano Seseno, e da largura será o pente, e o fiado que levará a tecer, e os sinais que terá.

O pano Sezeno levará a urdir mil e seiscentos fios, e o que menos levar será outrosim perdido pela maneira e no caso, em que se há-de perder o pano Dozeno; e o pente em que se tecer o pano Sezeno terá de largura tres covados e meyo de fino a fóra as ourélas, não trazendo de cada parte menos de dezoito fios, e por-lhe-hão as letras, e marcas do pano Dozeno, e a conta lhe porão com uma cruz, e além dela um B., e diante dela um risco somente, que fica assim declarado ser pano Sezeno; e levará a tecer tres arrateis e tres quartas, e em tudo o mais se guardará a ordem disposta no pano Dozeno; além da pena aí declarada, haverá o Tecelão, que assim o não cumprir, a mais pena crime, que por isso merecer.

Capitulo XIII

Dos fios que levará o pano Dezocheno, e da largura do pente, e qualidade do fiado, que levará, e que sinais terá.

O pano Dezocheno levará a ordir mil e oitocentos fios, e não menos, sob pena de ser perdido; e o pente em que se tecer terá de largura de fino a fino, a fóra as ourélas , tres covados e tres quartas, e de orélas dobradas de cada parte, e levará a tecer quatro arrateis cada ramo, e não menos, e a conta lhe porão com uma cruz, e adiante dela um B., e além dela tres ricos, pelos quais se  ficará conhecendo ser Dezocheno, e se guardará isso mesmo no pano Dezocheno, à maneira que se há de ter nos Dozenos, segundo é disposto no seu Capitulo, e além das penas dele incorrerá o Tecelão nas penas crimes, que parecerem.

Capitulo XIV

Dos fios que levará o pano vinteno, e de que largura será o pente e da quantidade do fiado, e sinais do pano.

O pano levará a ordir doze mil fios, e o que menos levar será perdido assim como o pano Dozeno; e o pente em que se houver de tecer terá de largura de fino a fino quatro covados, menos uma oitava a fora as ourelas, que terão doze dobrados de cada parte, e levará a tecer cada ramo, quatro arrateis e quarta, e na conta lhe porão que as cruzes, pelos quais se conhecerá que é Vinteno, e no mais levará a ordem do pano Dozeno, e o Capitulo que dele se trata, se guardará acerca deste Vintenos inteiramente, incorrerão mais os Tecelães na pena crime que tambem por isso merecerem.

Capítulo XV

Dos fios que terá o pano Vintedozeno, e da largura do pente, e fiado, e sinais que levará.

O pano Vintedozeno levará a ordir dois mil e duzentos fios, e não menos e o que menos levar se perderá conforme aos panos Dozenos; e o pente em que se tecer terá de largura quatro covados e quarta de fino a fino, a fora a ouréla, que terá de cada parte doze dobrados, e levará ao tecer quatro arrateis e meyo, e na conta lhe porão duas Cruzes, e alem delas dous riscos, para com isso se conhecer que há Vinte-dozenos, levando também os sinais dos panos Dozenos, com mais a condenação da pena crime.

Capítulo XVI

Dos panos Vinte-quatrenos, e de largura do pente, e sinais do fiado.

O pano Vinte- quatreno a ordir dois mil e quatrocentos fios, e o que menos levar, se perderá como se perde o pano Dozeno; e o pente em que se tecer terá de largura de fino a fino a fora as ourelas quatro covados e meio, e de ourela doze dobrados de cada parte, e dahi para cima e levará ao tecer cinco arrateis em cada ramo; e na conta  lhe porão duas Cruzes, e diante delas quatro riscos, por onde se conhecerá que é Vinte-quatreno, e no mais será conforme ao Capitulo dos panos Dozenos. E porem todos os panos Sozenos Dozochenos, Vinte-dozenos. e Vinte-quatrenos, serão gaspeados; e havendo de ser algun deles para se tingir em preto com ourelas pretas lhe não poderão pôr os fios, contas e marcas, e sinais que pelos Capítulos atraz ordeno, que se lhe ponham se não do fiado de linho, para se conhecer e enxergar, de que conta, e qualidade são; e qualquer pessoa que mandar tecer os ditos panos, sem os gaspear pagará quinhentos reis por cada vez, e havendo de ser algum dos ditos panos para se tingir em preto, pagará o que nisso incorrer pela primeira vez mil reis, e pela segunda perderão os panos e de tudo sera ametade para o Vedor dêles, e a outra metade para os captivos, alem da pena do crime, em que tambem incorrerá pela falsidade, de que conhecerá o Juiz de Fora da Cidade, ou Vila, onde o houver.
(Continua)

Nota dos editores – O Doutor Valério Nunes de Morais era natural da freguesia da Conceição, Covilhã, tendo nascido em 1840. Casou com D. Rita Nazareth Mendes Alçada e Tavares Morais. Era jornalista e advogado. Foi procurador à Junta Geral do Distrito da Guarda, por volta de 1868; administrador do concelho da Covilhã anteriormente a 6 de Junho de 1871; de novo procurador, mas substituto, à Junta Geral do Distrito em 1887-89. Faleceu em 1901.


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