quinta-feira, 25 de julho de 2013

Covilhã - Inquéritos à Indústria dos Lanifícios XX-XVIII

Inquérito Social XVIII


     Continuamos a publicar um inquérito social “Aspectos Sociais da População Fabril da Indústria dos Panos e Subsídios para uma Monografia da mesma Indústria” da autoria de Luiz Fernando Carvalho Dias, realizado em 1937-38.

Capítulo IX

Economia

            Através do inquérito a que os operários foram submetidos, foi-nos dado verificar que o aumento do salário estabelecido pelas circulares 5, 16 e 24 não pode considerar-se como um levantamento do nível de vida da população operária, mas como simples melhoria de vida em casos individuais bastante raros.
            Interrogadas muitas mulheres cujos maridos trabalham em fábricas de lanifícios, revelaram elas que o pequeno aumento de salário, provocado pelas ditas circulares, longe de significar um benefício familiar, veio a ser tomado pelos beneficiados como verba para extravagâncias.
            Se viviam já com o salário anteriormente estabelecido, exceptuados aqueles casos em que era de fome, tudo o que posteriormente se aumentou, significava, portanto, uma melhoria nas extravagâncias.
            Há casos, também, em si particulares, que não convém perder de vista: os daqueles operários trabalhando em contrato de empreitada que auferem ao fim da semana uma féria parecida com 130$00, que dela tiram unicamente 30$00 ou 40$00 para sustento da mulher e dos filhos e que gastam o resto na taberna onde são hóspedes permanentes de almoço, jantar e, sobretudo, de vinho.
            Tudo isto vem a propósito para referir neste capítulo alguma coisa do que seja a economia operária.
            Será o operário de lanifícios, em regra, pessoa que economize e atenda ao seu futuro?
            Há primeiro que ter em conta o seguinte: nem todo o operário pode economizar. Os encargos de família que às vezes são bastante pesados, a doença constante de algum membro da mesma família, e os operários com salários muito baixos, não podem juntar o seu pé-de-meia.
            Entre os tecelões mecânicos, o problema da exiguidade dos salários e a consequente impossibilidade de economia já não se pode pôr, pois como vimos no capítulo VIII, os seus salários dão margem à constituição de um pequeno pé-de-meia.
            Verifica-se, porém, que alguns prosperam ao passo que outros se mantêm na mesma situação; uns vivem em melhor casa; outros, ao contrário, com o espírito económico da formiga, vão vivendo pior, comendo pior, mas amealhando com o sentido no dia de amanhã.
            Estes aparecem-nos ao fim de alguns anos possuidores do seu tear, o que em outros tempos de liberdade podia ser princípio de acesso à indústria; aos outros assaltam-nos as crises ao caminho, vem o desemprego, a miséria e a velhice que os deixam ao desamparo.
            Dos primeiros, raros são porém aqueles que ascendem ao patronato, o que não quer dizer que, na Covilhã, pela longa tradição que a indústria de lanifícios aí tem, os industriais não provenham todos da lã, ou porque tivessem sido operários, ou porque os seus pais ou avós o foram.
            Esta recompensa do trabalho, tão evidente, não deixa de impressionar os operários a ponto de, em certa medida, criar estímulos fortes para que constituam o seu pé-de-meia.
            Se a ascensão directa ao patronato do operariado é vantajosa, por servir de exemplo e estímulo, tem por sua vez os graves inconvenientes que aparecem apontados no capítulo dedicado ao Patronato.
            Podemos concluir, pois, que a maioria dos operários não tem o espírito da economia, e que tudo que seja pagar-lhe mais que o suficiente é, por enquanto, contribuir para a sua desmoralização. Ganhará ele, porventura, já o suficiente? Seria o primeiro problema a resolver.
            Segundo o direito natural, todo o homem deve ter possibilidades de auferir pelo seu trabalho o necessário para constituir família e a manter-se decentemente no seu escalão social.
            Ora a verdade é que um operário com uma família regular, que entre nós é de 5 a 6 filhos, não pode sustentar-se com o módico salário de 9$00 ou 10$00 diários.
            Todas as relações sociais modernas tendem, por isso, a instituir um salário familiar; para isso deixamos neste Inquérito Social as bases essenciais para estudar os encargos das famílias operárias dos lanifícios dentro do nosso país.
            A existência desse salário de família viria a dar ao nosso operário possibilidades de se manter, elevando, ao mesmo tempo, o seu nível de vida.
            Como dissemos atrás, devemos aqui repetir que ele por si não tem espírito económico, sendo por isso essencial a criação de caixas de previdência que lhe administrem todo aquele excesso de salário que venha a receber e que não seja estritamente necessário à sua vida normal. É preciso não esquecer que o homem previdente não é o homem da selva, mas aquele que foi já trabalhado pela civilização.
            Aonde ir buscar o dinheiro necessário para a instituição dessas caixas de previdência, se já dissemos que o salário dos operários não computava geralmente esse encargo? Devemos ir buscá-lo somente ao magro salário dos pequenos ou somente também aos lucros excessivos dos grandes? A solução justa seria levantar os salários dos operários dentro de um critério de justiça social, esse aumento representar um encargo que os operários davam para a aquisição de um benefício de que eles eram o objecto, e o patronato concorrer também, independentemente desse aumento, de forma a colaborar segundo a doutrina corporativa na assistência ao mais desprotegido factor da produção.
            Não pretendemos afectar os interesses legítimos do patronato: se o operário não é anjo a cujo excessivo bem-estar se sacrifiquem os interesses legítimos dos outros colaboradores da produção, também não é animal a quem se explore a necessidade.
            Mas interesses legítimos do patronato, é preciso não esquecê-lo, são aqueles que não afectam os direitos à vida honrada dos outros.
            O lucro absoluto não se explica nem tão pouco são de admitir luxos nas classes dirigentes enquanto houver operários sem trabalho.
O regime corporativo é um regime fundado na solidariedade social.
            Pela lógica do sistema, um patrão que despede operários não tem o direito de viver como um príncipe, para poder exigir uma diminuição de horas de trabalho tem que demonstrar-se que se procede assim porque seria socialmente mais grave para os que trabalham, que para os que dirigem, seria a ruína se não se adoptasse essa diminuição de horas.
            Para que o operário possa economizar e atender ao futuro dos seus, é preciso que se não explore a sua necessidade; doutro modo seria cair, dentro de uma economia organizada, no mesmo defeito que a livre concorrência originava, ainda com a agravante de o ser agora sob a tutela das Corporações e do Estado e sob o império “inefável” da lei.

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            Um dos sintomas mais característicos do espírito de economia do operário de lanifícios é, sem dúvida, a posse do instrumento de trabalho, quando ele é o tear.
            Pela estatística sobre os teares manuais, publicada no capítulo consagrado à “grande e pequena empresa”, tivemos ocasião de verificar que esta espécie de teares fazia, ainda hoje, parte da propriedade operária.
            Como o tear mecânico invadiu os grandes centros industriais, devido ao seu alto preço, é muito mais difícil que o operário o possua, possuindo assim o seu instrumento de trabalho.
            O sentimento económico que a posse do instrumento de trabalho reflecte o que, como Décamps, nós tivemos ocasião de verificar através deste Inquérito Industrial, deixou por isso de se revelar, nos grandes centros.
            Para se ver quanto nos pequenos centros a posse do tear manual reflecte o espírito de economia do operário de lanifícios basta relembrar o que dissemos no capítulo anterior, que o salário industrial dos pequenos centros surge como um salário complementar da agricultura e que na região de Avelar, grémio de Castanheira de Pera, os tecelões nos declararam que lhes convinha mais receber a féria ao mês, do que à semana porque, assim, recebendo uma soma mais avultada, a economizavam. Já revelei atrás este mesmo facto. Bastava-lhe a terra para se sustentarem.
            O regime de trabalho nas regiões similares a esta é, em verdade, caracterizado pela sua inconstância. Esta inconstância é bem diferente daquela que verificamos existir nas grandes empresas de tecelagem. Esta, que surge nos pequenos centros, filia-se no conceito que o operário tem do trabalho industrial como trabalho extravagante para melhoria de salário, uma espécie assim de trabalho complementar, de distracção dos afazeres campestres, donde o facto de ser sempre sacrificado às necessidades do campo.
            Em muitas aldeias do concelho da Covilhã, embora o regime de pagamento de salários seja diferente, encontramos também em certa proporção este tipo de trabalho na tecelagem, revelando a mesma tendência de poupança e de amealhamento que acabamos de apontar no grémio de Castanheira de Pera: operário possuidor do seu tear, trabalhador do campo e, nas horas vagas, tecelão.
            Na Covilhã como se pode ver pela estatística dos teares mecânicos na posse de operários, verifica-se uma tendência nascente para possuirem este caro instrumento de trabalho e de aplicarem as suas economias, à aquisição dele. Se outros fossem os rumos por que se deseja conduzir a organização industrial, creio bem que este tipo de operário, possuidor do seu instrumento de trabalho, havia de continuar a ser o grande fulcro da economia operária da Covilhã e o caminho certo que conduziria os operários à melhoria da sua condição social e económica. Mas nisto, como no resto, seguindo o exemplo de alguém, não louvo nem censuro, digo simplesmente aquilo que me parece.
            Para a organização de uma economia industrial de tendências capitalistas, este tipo de operário pode ser insustentável e até nefasto, mas se atentarmos bem no seu “métier d’homme”, como hoje soe dizer-se, seria socialmente o tipo recomendável, a quem as crises levemente beliscariam e a quem o virus comunista dificilmente poderia corromper.

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            Do que a propriedade da casa de habitação e de qualquer geira de terra significam na economia e no espírito poupado do operário de lanifícios basta reflectir sobre esta verdade: um operário económico é um operário próximo da propriedade, um operário proprietário é um operário interessado, um operário interessado é um operário patriota.
            A propriedade de casas e de jeiras de terra é suficientemente elucidativa da vida da população, cujos hábitos e maneiras de ser temos estudado, para que numa vista de olhos sobre as estatísticas publicadas, no capitulo V, mostram ao leitor a importância desta matéria.

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            Caminhar de novo para a propriedade do ofício parece-nos ser o meio de tornar proprietários, com todas as vantagens patrióticas que esta ideia encerra, aqueles para quem a terra não chega e a quem é essencial estabelecer uma vida económica estável.

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Capítulos anteriores do Inquérito Social:
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Inquéritos IV - II
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