quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Covilhã - As Sisas IV


    Em 1525, nas Cortes de Torres Novas, as populações pedem ao Rei D. João III para deixarem de pagar as sisas. Tal não lhes vai ser permitido, mas sim o estabelecerem contratos com o rei D. João III, através dos procuradores régios, onde se fixam quantitativos inalteráveis. A Covilhã, a par de outras povoações, como já tomámos conhecimento, faz o contrato das sisas em 1528.
    Hoje começamos por publicar duas cartas em que o licenciado Cristóvão Mendes informa o Rei sobre o modo como decorreu o lançamento das sisas em Manteigas e na Província de Trás-os-Montes.
    O último documento, talvez o que tem mais significado, é a Lei Geral XVII que revoga os contratos das sisas, depois do pedido, nas Cortes de Évora (1535), de “casi todos os procuradores das Cidades e Vilas que a ellas vieram: que tinham tomadas as ditas sisas per contractos: que ouvesse por bem de lhe mandar tomar as Sisas que lhes tinha dadas por certa contia que antre si aviam de repartir: e os desobrigasse dos ditos contratos per que as tinham tomadas: e as mandasse arrendar como antes dos ditos contractos se fazia”. A Lei XVII (1538) diz:
 
“E ey por bem que minhas rendas se arrecadem como dantes se arrecadavam: e se arrecadarã: se os taes contractos não foram feitos.”
 
A Fazenda régia precisava mesmo das receitas das sisas, por isso, ao longo do século XVI, as experiências quanto à sua cobrança foram várias:
- Cobrança feita pelos siseiros e oficiais de arrecadação.
- Encabeçamento das sisas ou seja um quantitativo fixo.
- De novo a cobrança pelos rendeiros.
- Outra vez o encabeçamento, mas acompanhado de uma legislação rigorosa relacionada com o quantitativo de rendimentos e bens, bem como um papel mais activo das Câmaras na cobrança das sisas.
    Terminamos, recordando reflexões de Luiz Fernando Carvalho Dias sobre a influência que a cobrança das sisas teve na falta de unidade do concelho da Covilhã e povoações do seu termo. 

I - carta do Licenciado Christovão Mendes para El-Rei, em que lhe daua conta do que se passou sobre o lançamento das cizas da Villa de Manteigas 

Senhor = A Villa de manteigas por seus Procuradores querem tomar a Ciza, se lhes V. A. fezer alguua quita; e se lhes tambem fezer merce da ciza dos panos, a qual tem em quarenta e oito mil reis, e em geral, em cento, e vinte; e porque Vossa Alteza nam me deixe, que desse estas cizas té hoje as dei a ninguem; posto que alguns mas pedirão; e pareceme serviço de V. A. darem-se aos que as quizerem tomar, pois a sorte dos pannos, que fazem, he tam baixa, que a ciza delles em todo o Reyno, segundo a informação, que tenho, nam chega a hum conto, e roubam aos que fazem os ditos pannos, o dobro; e por isso se querem estes obrigar a tomar tudo. Esta vila he prove, está antre duas Serras; não tem mais que a criação de gado; haverá nella ao mais, trezentos Moradores cõ viuvos; nam ha hi nenhum Merquador, nem christam novo, pola terra ser aspera; está com a ciza dos ditos paños meirinhos em cento, e sessenta, e oito mil reis em saluo pera V. A., se a tomarem nos cento, e sessenta; pareceme que está bem, e V. A. lhes devia fazer mercê dellas, porque creceo té qui muito, e a Terra he prove, e V.A. tem razam de lhes fazer merce polo Padroado das Igrejas, com que o serviram; e por tudo isto os mandei a V. A. Hoje quatro dias de Janeiro. O Licenciado Christovam Mendes”. 

II - carta do Licenciado Christovão Mendes para El-Rei, em que lhe daua conta do que se passou sobre o lançamento das cizas nos lugares da Provincia de Traz os Montes 

Senhores

Eu ando neste Tra los Montes, e tenho feito muita parte delle com assas trabalho, e risquo de minha vida, que eu não estimo, por servir V. A., e despois que me V.A. mandou, que trabalhasse por meter o hum por cento, e cera, desvião-se alguns de a tomarem, porque dizem, que com estes custos os roubam, e que mais estimam isto, que a ciza, e alguns, com que me concerto, querem antes, que se accrescente o que se mouta nisto; e que va loguo decrarado, que nam paguem mais: e como isto he tam pouqua cousa, que em cem mil reis nam se monta mais em cera, e hu por cento, que mil e duzentos reis. Eu teria por mais serviço de V. A. onde se não pudesse meter, leixa-lo, porque crea V.A. que as rendas desta comarqua estam no cume, e hão de tornar a baixar em muita maneira, como fez o Almoxarifado de Lamego, que abaixou hum conto, e mais sendo rematado por Alvaro Pacheco, que havia de trabalhar por servir V.A., e por crecer, fez muitos ramos, que nam passão de cinquo, seis, sette mil reis, e outro tanto fez em Viseu, e abaixou, e assi algumas cizas do Almoxarifado da Guarda, polo que me parece, que hum dos maiores serviços que posso fazer a V. A. he segurar estas rendas com o ganho dos Rendeiros principaes; e pera V. A. saber a maneira que tenho, e o trabalho, que levo pelo servir; ê cada hum ramo procuro de saber quantas avenças tem, e se sam tratantes, se Lavradores, e depois vejo os Livros do rendimento passado, e façoo crecer quanto posso, pera mostrar ao povo, e conto alços, e outras cousas; e feito isto, prego-lhes, e trabalho, que elejão alguuas pessoas pera comiguo assentar o preço, porque se doutra maneira fosse, nã tomariam huma só; e crea V.A., polo que tenho visto, que se nam fossem os juizes muito favoraveis aos Rendeiros, e nam tevessem os Privilegios, q V. A. lhes dá, que por nenhuma via creceriam as cizas, porque eu nam sei donde saie, que os homes, que a pagam, nam tem tanto de fazendas como pagam, e porque sam obrigado dizer verdade a V.A., me parece, que compre muito a seu serviço concertar-se com todos, porque Villa Real ha de baixar mais de cento, e cinquoenta mil reis, e mais; e Alampaees ha dabaixar mais de duzentos cruzados; e Bragança tambem ha dabaixar; estando em bom preço; e Freixo ha dabaixar trinta mil reis; e Anciães ha dabaixar quinze, ou vinte mil; e Villa Frol ha dabaixar doze, ou quinze mil; e não confie V. A. polas eu segurar por estes annos, porque eu, em todollos Lugares, primeiro que falle ao Povo, trabalho por achar alguns Rendeiros, que façam maiores lanços pera terem melhor vontade pera as tomarem, e sei ao que podem chegar; e assi despois faço o concerto, e nestas todas nam querem chegar ao que estam, antes em muito menos; e pera V. A. saber as razoens, porque compre muito a seu serviço chegar eu para dizer a V. A. a verdade, por nam perder despois o que eu sei, que perderá, não se concertando com a ter estes, não esqueça Mirandella; que há-de quebrar mais do que pedem.
E compre tanto a serviço de V. A. ir dar conta disto, que ainda que estevera em Roma, me devera V. A. de mandar chamar, porque tenho algumas cizas dadas çarradamente no preço, que V. A. houver por bem, e outras com condiçam, que dentro de quatro mezes apraza a V. A.; e nam lhe aprazendo que o contrato fique nenhum; porque doutra maneira os não pude armar: E pera V. A. ser informado de tudo, he necessario darme licença pera ir a V. A.; e tambem pera se ordenar o caderno desta Comarqua de Tra los Montes, e ver V. A. o que tenho feito, e mandará emendar o mal feito pera o diante, e verá V. A. alguns lanços destas rendas, que se poem em maos de V. A. pera com elles responder à mercê, que lhe pedirem; e tudo serão quinze dias, porque posso ir fazendo té alem de Coimbra que he ainda da Comarqua da Beira, tirando a cidade.
Os coutos do Bispo de Viseu, porque V. A. escreveo, nam quiserão tomar no preço, em q estava, nem menos Manteigas, nem Penedono, nem Fontarquada; Mirandella nam na quer com cera, e hum por cento em trezentos e sessenta mil reis. O desmancho de Chaves fez a muitos perder a vontade bôa, que tinham. Murça, nem Gouvea, nem Villa Frol, nem Villarinho nam na querem no preço, em que está. Em Anciães estavamos quasi concertados com as pessoas, que o Povo nomeou, e petando (sic) eu neste hum por cento, saio-se hum juiz, e desmanchou tudo, sendo já de noite, e pela manhã vieram sobre mim mais de duzentos homes de bestas, e lanças, q o juiz fez juntar, que revogavam os Procuradores, q nam haviam de pagar custos; despois amanceios, e concertamonos, que punham tudo em mam de V. A.; e pera isto, e outras cousas cumpre a vosso servir ir eu à sua Corte.
Ali tirei Inquirição do Abbade, que V. A. me mandou, a qual envio a V. A.; e lembro a V. A. o castiguo de Chaves
 
Os claustros (de D. João III) da Universida de Évora (UE)


III - Lei XVII Que revoga os contractos per que alguas cidades e vilas tinham tomadas as Sisas em certa contia pera sempre. 

Nas Cortes que fiz em Torres Novas no anno de 1525: os procuradores dalguas Cidades e Vilas me pediram lhes desse as Sisas dellas em certa contia cada huu anno pera sempre: pera as repartirem entre si segundo cada pessoa as devesse pagar: e não serê arrendadas a rendeiros: dizêdo que os (sic) rendeiros recebiam grandes oppressões: e que posto que ao tal tempo todos as não requeressem: ao diãte veriam por experiencia ho proveito que se seguia aas cidades e vilas a que as eu desse; e as tomaariam todos: e que tomandoas todo ho reyno: todas as cidades e vilas e lugares delle gozarã em particular dos proveitos acima ditos: e cessariam os inconvenientes que se poderiã recrecer a muitas cidades vilas e lugares emquanto não fossem tomadas em todo o reyno: e assi ficaria todo o reyno fora das ditas oppressões: e que pelas ditas razões ouvesse por bem de lhas conceder como me pediam: e parecendome bem as sobre ditas razões: e por folgar de lhes fazer merce: me prouve de as mandar dar aas cidades: vilas: e lugares que mas entã pediram: e assi as dey a todas as outras que mas despois pediram: e foram feitos contractos com elles. E agora nestas Cortes que se começarã na cidade devora em junho do anno M. D. XXXV me foy pedido por casi todos os procuradores das Cidades e Vilas que a ellas vieram: que tinham tomadas as ditas sisas per contractos: que ouvesse por bem de lhe mandar tomar as Sisas que lhes tinha dadas por certa contia que antre si aviam de repartir: e os desobrigasse dos ditos contratos per que as tinham tomadas: e as mandasse arrendar como antes dos ditos contractos se fazia. Alegandome que por quanto por experiencia se vio no tempo que atee ora as teverã: que do repartir e arrecadar dellas se seguiam muyto mayores oppressões e damnos do que diziam que tinham quando se arrecadavam por rendeiros: e que donde cuydavam que recebiam de mi merce em lhas dar por certas contias: por alguas causas que despois sobcederam se deminuyrã em alguus Lugares as ditas rendas muyto daquillo em que as tinham tomadas: e por bem de seus contractos ficavam obrigados a pagar mais do que as rendas verdadeiramente valiam e elles podiam pagar: dizendome os ditos procuradores: e assi todos os mays que aas ditas Cortes vieram (tirando alguus poucos dos que tinham as ditas Sisas e as não queriam largar:) que pelas ditas razões vinha bem aas outras Cidades: Vilas e Lugares que atee agora as não tinham tomadas as tomarem: e por isso as não esperavam de tomar: que querendo eu desobrigar dos contractos aos que mo pediam: e não tomando todos os outros lugares do reyno que as não tem: e ficando a alguus que as não querem alargar: seria em grande prejuyzo geral do reyno. Por tanto me pediam que pelas ditas razões ouvesse por bem de tornar a tomar as ditas Sisas: assi aos que mo pediam e as quizessem alargar: como aos que queriam estar por seus contractos: e pera isso fezesse Ley geral: per que revogasse todos os ditos contractos: posto que alguus não sejam disso contentes. E parecendome bem as razões que me alegavam: mandey ver por Letrados se por dereyto podia revogar os dictos contractos: posto que alguas Cidades ou Vilas que as jaa em si tinham tomadas as nam quizessem alargar: e se achou que por ser pera bem comuu ho podia fazer: fazendo sobre isso Ley geral. Pelo que me prouve fazer esta Ley. Pela qual ey por bem de revogar e revogo todos os ditos contractos; e cada huu delles: et mando que delles mais se naõ use: porque os ey por de nenhuu effecto e vigor: como se nunca foram feytos. E ey por bem que minhas rendas se arrecadem como dantes se arrecadavam: e se arrecadarã: se os taes contractos não foram feitos.  

Já que falamos de sisas, terminamos com uma pequena reflexão de Luiz Fernando Carvalho Dias sobre a falta de unidade do concelho da Covilhã e povoações do seu termo: 

            […] “O Alcaide, a antiga aldeia de Pretor, mantinha um senado municipal e magistraturas próprias - restos certamente de antigo predomínio e o Fundão, que começara por ser no princípio da monarquia uma herdade ou um Reguengo da Coroa, alargado na sua povoação, com uma florescente indústria de Lanifícios; transformado numa colmeia de pequenos mercadores judeus e cristãos velhos, iniciava então aquela dura campanha para autonomia que somente nos meados do século XVIII, veria coroada de êxito com a formação do seu concelho e de um alfoz mais vasto do que aquele de que se apartara.
            Curiosas são essas lutas políticas entre a vila da Covilhã e o Fundão, no século XVI! Primeiramente o Fundão pretende alcançar uma situação administrativa idêntica à do Alcaide, governar-se por si, com as suas magistraturas, mas conservando-se dentro do alfoz da Covilhã – e subordinado a ela no mínimo. Assim em todos os documentos coevos os representantes do Fundão pretendiam ficar, por assim dizer à parte, v.g. no contrato das sisas, assinado entre a Covilhã e D. João III; o Fundão e dois ou três lugares das suas proximidades resolveram tomar as sisas à parte do bloco constituído pelo concelho da Covilhã. A fórmula usada no contrato é sempre esta “ constante que a vila de Covilhã, não entenda na repartição do dito lugar”.
 
A Covilhâ (da Ribeira da Carpinteira), em 2011
Fotografia de Miguel Nuno Peixoto de Carvalho Dias

           
           A Covilhã, por sua vez, defendia-se desta ânsia de desagregação, produzida pela intensa valorização do Fundão: nos capítulos das cortes, na confirmação que os reis novos lhe faziam dos privilégios, nas cartas do concelho para o Infante D. Luiz, que foi o seu único donatário no século XVI, a câmara lembra, pede, insiste, parece querer ligar sempre a Coroa e o donatário com essas repetidas promessas, a certeza de que o alfoz já tão repartido, não voltará a ser fonte de tantas desagregações e de concelhos novos. E, de facto, durante este século XVI o alfoz não se desagrega – embora o Fundão tenha dado dois passos, um certo e outro falso, no caminho da sua emancipação: o certo foi alcançar do Infante D. Luiz uma equiparação à situação já referida do Alcaide; o falso por ter jogado decididamente no partido do Prior do Crato.” […]  

Fontes -  II – ANTT g. 2,- 8 – 2 (?), (fls 8 vº)           

As Publicações do Blogue:
Capítulos anteriores sobre as sisas:

Sisas III:

http://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2011/12/covilha-o-alfoz-ou-o-termo-desde-o.htmlhttp://covilhasubsidiosparasuahistoria.blogspot.pt/2011/12/covilha-o-alfoz-ou-o-termo-desde-o.html

 

Sem comentários:

Enviar um comentário